terça-feira, maio 25, 2010

Pelicano para o Bom Dia, SP



A esquerda não quer a reforma agrária - Kátia Abreu

A esquerda não quer a reforma agrária
Kátia Abreu - Senadora – O Estado de São Paulo

Nada obsta mais a reforma agrária no Brasil que a manipulação político-partidária que dela se faz. A estratégia criminosa de invasões de terras é a ponta de lança desse processo. Transforma o produtor rural em vilão e o invasor em vítima, numa espantosa inversão de valores. A entidade que tudo patrocina, o Movimento dos Sem-Terra (MST), inexiste juridicamente, o que impede reparações judiciais.
O governo, que deveria garantir a segurança dos contribuintes, faz vista grossa, emite declarações simpáticas aos invasores e chega ao requinte de produzir um decreto, o PNDH-3, em que os considera parte a ser ouvida antes de o invadido recorrer à Justiça para reclamar a reintegração de posse. Pior: financia os invasores, via ONGs constituídas com a única finalidade de gerir uma entidade abstrata, embora concreta em seu objetivo predatório. Acumulam-se aí ilícitos: além da invasão, há o ato irregular governamental, denunciado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, de financiar entidades que burlam a lei.
Quanto já foi gasto - sabe-se que são centenas de milhões de reais - a pretexto da reforma agrária, em dinheiro repassado a essas ONGs? E o que de concreto foi feito para realizá-la? Qual a produtividade dos assentamentos do MST? São perguntas sem resposta, que justificaram a instalação de uma CPI mista no Congresso Nacional, sistematicamente sabotada pela maioria governista.
Em vez de respondê-las, os agentes partidários, travestidos de funcionários públicos, empenham-se em difundir a infâmia de que a maioria dos produtores rurais ou é predadora do meio ambiente ou escravagista. A manipulação de causas contra as quais ninguém, na essência, se opõe é um dos truques de que se vale uma certa esquerda fundamentalista, adversária da livre-iniciativa, para manter como reféns os produtores rurais, difamando-os.
Nenhuma pessoa de bem - e a imensa maioria dos produtores rurais o é - é a favor do trabalho escravo ou da destruição do meio ambiente. Mas isso não significa que concorde com qualquer proposta que se apresente a pretexto de defender tais postulados. Não basta pôr na lei punições contra o "trabalho degradante". É preciso que se defina o que é e o que o configura concretamente, princípio elementar da técnica jurídica.
A lei não pode ser meramente adjetiva, o que a torna, por extensão, subjetiva, permitindo que seja aplicada conforme o critério pessoal do agente público. Foi esse o ponto que me fez, como deputada federal e depois como senadora, exigir emendas a uma proposta legislativa de punição por trabalho escravo. Não o defendo e o considero uma abjeção inominável. Quem o promove deve ser preso e submetido aos rigores da lei, sem exceção, sem complacência. Mas tão absurdo e repugnante quanto o trabalho escravo é manipulá-lo com fins ideológicos.
O que se quer é o fim da livre-iniciativa no meio rural, pela sabotagem ao agronegócio, hoje o segmento da economia que mais contribui para o superávit da balança comercial do País.
A fiscalização das propriedades rurais está regulada pela Norma Regulamentar n.º 31 do Ministério do Trabalho (MT), que tem 252 itens e desce a detalhes absurdos, como estabelecer a espessura do pé do beliche e do colchão.
Afirmei, em razão desses excessos, ser impossível cumpri-la em sua totalidade e que havia sido concebida exatamente com essa finalidade. Tanto bastou para que fosse acusada de defender o trabalho escravo, recusando-me a cumprir práticas elementares, como o fornecimento de água potável e condições básicas de higiene. Desonestidade intelectual pura.
A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que presido, tem sido bem mais eficaz que o Estado na fiscalização trabalhista nas propriedades rurais. Basta conferir os números: os grupos móveis de fiscalização do MT percorreram, em sete anos - de 2003 até hoje -, 1.800 fazendas. A CNA, em 90 dias, percorreu mil fazendas e já está promovendo o circuito de retorno, para averiguar as providências tomadas.
A CNA, com o objetivo de aprimorar o trabalho no meio rural, vai criar um selo social - uma espécie de ISO 9000 trabalhista - para qualificar as propriedades-modelo, qualificando também sua produção. Esse selo indicará não só zelo social, mas respeito ao meio ambiente e adoção de práticas produtivas adequadas. Não queremos responder às injúrias com injúrias, mas com demonstrações concretas de nosso empenho em contribuir para o desenvolvimento econômico e social do País.
É preciso que se saiba que 80% dos produtores rurais brasileiros são de pequeno e médio portes e não suportam economicamente esse tipo de sabotagem, que se insere no rol de crimes contra o patrimônio, de que as invasões de terras são a ponta de lança.
Em quase todos os casos, os enquadrados como escravagistas não são processados. E por um motivo simples: não o são. As autuações trabalhistas que apontam prática de trabalho escravo são insuficientes para levar o Ministério Público a oferecer denúncias pela prática de infrações criminais. O resultado é que, enquanto isso não ocorre, o produtor tachado de escravagista fica impedido de prosseguir em seu negócio e acaba falido ou tendo de abrir mão de sua propriedade. A agressão, como se vê, não é somente contra o grande proprietário, mas também contra a agricultura familiar, cuja defesa é o pretexto de que se valem os invasores e difamadores.
Diante disso tudo, não hesito em afirmar que se hoje o processo de reforma agrária não avança no País a responsabilidade é dessa esquerda fundamentalista, que manobra o MST, consome verbas milionárias do Estado e proclama a criminalização dos movimentos sociais. Não há criminalização: há crimes, com autoria explícita. O MST, braço rural do PT, não quer a reforma agrária, mas sim a tensão agrária, de preferência com cadáveres em seu caminho, de modo a dar substância emocional a um discurso retrógrado e decadente. Reforma agrária não é postulado ideológico, é imperativo do desenvolvimento sustentado. Por isso a CNA a apoia. Por isso o MST e a esquerda fundamentalista não a querem.
SENADORA (DEM-TO), É PRESIDENTE DA CNA

A saúde precária de uma Velha Senhora - Parte 2

A saúde precária de uma Velha Senhora - Parte 2
Por Paulo Saldiva e Evangelina Vormittag
Poluição e Morte
O Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental (LPAE) da Universidade de São Paulo (USP) investiga o impacto dos poluentes na saúde dos habitantes da cidade e demonstrou, na década de 90, que um aumento em 13% da mortalidade de pessoas acima de 65 anos esteve associado à elevação das concentrações de partículas inaláveis no ar. Crianças e idosos são os dois grupos etários mais suscetíveis aos efeitos da poluição, particularmente naqueles com doenças cardiovasculares e respiratórias preexistentes. Se a poluição pode aumentar o número de mortes, antes disso provoca doenças. É o caso do estudo em controladores de tráfego da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), que demonstra alterações de pressão arterial e de marcadores inflamatórios sanguíneos em dias mais poluídos.
Pesquisa recente realizada nos Estados Unidos, analisando 66 mil mulheres no período pós-menopausa e sem história de doença cardiovascular, observou um crescimento de 24% no risco dessa enfermidade. E, quando ela se manifestava, um aumento de 76% no risco de morte quando as mulheres eram expostas a variações de níveis de poluição atmosférica. Pesquisadores do LPAE têm investigado outros efeitos nocivos da poluição atmosférica. O peso de bebês pode se reduzir quando as gestantes são expostas a níveis elevados de monóxido de carbono (CO) e partículas inaláveis no primeiro trimestre de gestação. Isso permite supor que a poluição afeta o desenvolvimento intrauterino das crianças. Nos primeiros 28 dias de vida, a mortalidade neonatal também é influenciada pelos poluentes. Curiosamente, há evidências de que nascem mais meninas que meninos em áreas mais poluídas da cidade.
CILETE SILVÉRIO/GOVERNO DO ESTADO DE SP

A região metropolitana tem aproximadamente 20 milhões de habitantes e nela estão localizadas 47 mil indústrias e 99 mil estabelecimentos comerciais. Sua frota de veículos cresce continuamente e se aproxima dos 9 milhões de unidades. Na última década, a população de São Paulo teve aumento de 12%, enquanto a frota automotiva cresceu pelo menos 65%. Assim, a relação entre automóveis/habitantes é de 1:2, ou seja, um veículo para cada dois habitantes. Isso significa que o número de sapatos e pneus é aproximadamente o mesmo. A elevação da frota de veículos indica que se favoreceu o transporte individual em detrimento do coletivo, mais eficiente em relação ao uso de energia e ocupação do solo. É uma contradição – tratar da redução de gases de efeito estufa e estimular a venda de veículos individuais por meio de incentivos fiscais, como o que ocorreu recentemente. A ausência de uma política urbana integrada aos transportes contribuiu para a intensificação da motorização e a piora da mobilidade urbana.
A cidade é conhecida por suas vias congestionadas e pelas médias diárias recordes de congestionamento, acima de 120 km no pico da tarde, devido à desproporção no número de veículos circulando por uma malha de 17 mil km. O número de viagens motorizadas pode chegar a cerca de 25 milhões por dia. A velocidade média dos automóveis e ônibus vem se reduzindo significativamente. Em 2005, os carros circulavam a uma velocidade média de 18,4 km/h, e os ônibus a 14,3 km/h, situação que se agravou com o aumento da frota. É aqui que se evidencia o maior paradoxo dessa opção tecnicista: são produzidos veículos de locomoção cada vez mais rápidos e ágeis, mas que se deslocam com a rapidez e a agilidade de uma charrete. Como na Idade Média, os moradores se restringem a circular no seu próprio vilarejo, aqui chamado de bairro, e, quando muito, em apenas uma região da cidade.
De maneira geral, o transporte individual consome 30 vezes mais combustível por passageiro em comparação com ônibus e 70 vezes mais energia quando comparado com o metrô. Segundo estimativas, uma linha de metrô poupa cerca de 3 milhões de barris de petróleo por ano. A ausência dele transfere para ônibus e automóveis, como alternativa modal no contexto de transporte, a maioria (90%) dos usuários, o que acarreta maior tempo de viagem e aumento dos níveis de concentração de partículas no ar, com consequente agravo das condições de saúde dos que vivem na cidade. Esse fato foi demonstrado por um estudo sobre os impactos das paralisações (greve) da operação do metrô (entre 1986 e 2006).Observou-se um aumento de 50% dos níveis de concentração de PM10 (material particulado inferior a 10 micra), comparando-se com dias em condições meteorológicas similares. Os benefícios do metrô para a saúde pública, como contribuição desse sistema de transporte à redução da poluição atmosférica em São Paulo, foram avaliados em R$ 10,75 bilhões anuais.
Apesar das vendas recordes de carros, a maioria (68%) da frota que circula pelas ruas apresenta idade média superior a 6 anos, sendo 41% com mais de 10 anos. Veículos com até 5 anos de idade, que emitem menos poluentes, correspondem a apenas 32% do total. Entre os 2,7 milhões de unidades que emitem mais poluentes, devido ao desgaste natural e à manutenção inadequada, há caminhões e ônibus a diesel, ainda mais nocivos à qualidade do ar. As motocicletas, cada vez mais utilizadas, representam 12,1% da frota, mas poluem oito vezes mais que um automóvel e provocam milhares de acidentes, matando e incapacitando um enorme contingente, a cada ano. Dados de 2009 apontam média diária de 42 acidentes com motocicletas na cidade que são a principal causa de lesão na medula. 
Dois remédios bem-sucedidos trouxeram benefícios à saúde: os carros hoje chegam a poluir 95% menos que em 1986 e os caminhões reduziram seus níveis de poluição em 85% no mesmo período. Esses números são resultado do Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), que introduziu mudanças tecnológicas e impôs limites nas emissões de gases poluentes de veículos. A redução de 40% na concentração dos poluentes entre os anos 90 e os primeiros cinco anos da presente década foi suficiente para diminuir de 12 para 8 o número de mortes diárias atribuídas à poluição do ar na região metropolitana. O limite máximo de concentração de monóxido de carbono foi ultrapassado 65 vezes em 1997, mas apenas uma vez em 2005. Essa queda da poluição resultou na diminuição de aproximadamente 10 mil mortes e internações hospitalares por doenças respiratórias e cardiovasculares. Se o Proconve não funcionasse, a perda por mortes, somente na cidade, seria de US$ 600 milhões. O segundo remédio diz respeito à inspeção veicular, iniciativa que vem auxiliar na diminuição de poluentes e gases de efeito estufa (GEE). 

Dalcio



A saúde precária de uma Velha Senhora - Parte 1

A saúde precária de uma Velha Senhora - Parte 1
Aos 456 anos a cidade de São Paulo enfrenta problemas que, comparados aos de um organismo vivo, mostram condição próxima à falência múltipla de órgãos
Por Paulo Saldiva e Evangelina Vormittag

ARAQUEM ALCÂNTARA/SAMBAPHOTO/GETTY IMAGES
O caso de São Paulo não é o único entre as metrópoles mundiais, ao menos em relação aos países em desenvolvimento. Mas é grave e não pode continuar ignorado, sob pena de custos crescentes pagos com o comprometimento da vida de seus moradores. Comparadas à situação de uma velha senhora submetida a uma série de exames para revelar a qualidade da saúde urbana, a cidade de São Paulo e toda sua região metropolitana são reprovadas em um conjunto de itens vitais que já afetam o presente e devem tornar-se críticos, se não irreversíveis, no futuro imediato. Com limitações preocupantes em relação a fontes de água potável, São Paulo e seu entorno têm reduzido tratamento de esgotos, poluição atmosférica sobrecarregada por transporte individual, impermeabilidade do solo e, entre outros comprometimentos, ilhas de calor que implicam chuvas destruidoras todo verão. 
O mundo passa por uma crise ambiental com raízes localizadas basicamente no excesso de consumo dos recursos naturais. E é nas cidades que se manifesta a maior demanda pela oferta de alimentos, transporte, moradia, recursos hídricos, saneamento básico e energia. No Brasil, em 2000, 81,2% da população já vivia em áreas urbanas. A previsão para 2030 é que cerca de 60% das pessoas viverão em áreas urbanas do planeta. Os impactos da complexidade do metabolismo urbano produzem efeitos dramáticos sobre diversos aspectos da saúde e sustentabilidade, tanto local como regional e mesmo em escala global. A pressão da urbanização sobre o ambiente varia de acordo com o tipo das cidades.
Metrópoles como Londres, Paris e Nova York, que tiveram crescimento gradual, puderam usufruir dos benefícios de um processo de planejamento dinâmico e da consolidação da infraestrutura, incluindo o sistema de transporte público. Em contrapartida, contrapartida, cidades que cresceram rapidamente, principalmente nos países em desenvolvimento, passaram da juventude para a decrepitude e deterioração sem tempo de amadurecer. São Paulo é uma representante típica do segundo grupo, com crescimento veloz e desordenado, ligada a mais 38 cidades que formam sua região metropolitana, numa área de 7.944 km2. Esse processo desordenado, com frequência confundido com desenvolvimento, trouxe problemas ambientais de solução complexa e cara, que afetam negativamente a vida de 20 milhões de habitantes dessa megaconurbação.
PAULO WHITAKER/REUTERS/LATINSTOCK

A cidade pode ser entendida como um organismo vivo, onde os bairros seriam órgãos e os habitantes, células dessa estrutura. A analogia permite que, na análise da saúde desse organismo, seja possível imaginar a cidade de São Paulo como um corpo adoecido, afetando também seus habitantes. A descrição desse caso pode ser feita imaginando-se a cidade como uma velha senhora que terá a sua história clínica relatada por seu médico. Paciente do sexo feminino, com 456 anos, refere que se sentia compelida a ser uma das cidades que mais cresciam no mundo. Olhava com orgulho o brotamento de chaminés fumegantes e sentia prazer ao ver lhe percorrerem as veias minúsculos veículos motorizados e gente trabalhando incessantemente. Com o passar do tempo, e principalmente nos últimos 60 anos, relata ter perdido o controle da situação, engordado em excesso, excedendo seus limites geográficos com aparecimento de áreas de extrema pobreza (loteamentos periféricos e favelas). Isso faz com que despenda enormes quantidades de recursos, redesenhando seus limites e buscando soluções para problemas físicos e psíquicos que atingiram uma escala de difícil tratamento. Queixa-se de febre (aquecimento), calafrios e intensa sudorese (eventos extremos, chuvas, inundações, ventos fortes), falta de ar (poluição), entupimento de suas artérias, que não permitem fruição do trânsito e dificuldade para eliminar urina (filtração – tratamento de água).
Comportamento Bipolar
Exame mais detalhado sugere que se trata de paciente bipolar. Em alguns momentos apresenta-se estressada, deprimida e com baixa autoestima. Em outros, eufórica. Apresenta enorme vazio no centro, principalmente à noite, associado a um sentimento de despopulação central. Confusa, reconhece dependência química de uma droga, o petróleo. Apática, demonstra dificuldade de planejamento, desesperança, desamparo e preocupação com o futuro.
A velha senhora alega ainda episódios agudos de asma e surtos de pneumonia. Já teve alguns episódios de dor precordial (dor no peito) e infarto. Alimenta-se compulsivamente, apresenta má digestão, sensação de empachamento, eructação e flatulência há anos. Vivencia constantemente episódios de evacuação, prejuízo do saneamento básico, grande lançamento de efluentes e esgoto nos rios e disposição de resíduos sem aproveitamento. Acredita que possa ser acometida por vermes pela facilidade com que este quadro acarreta a proliferação de vetores causadores de doenças infecciosas. Sente muita sede, apresenta fraqueza e incapacidade de aproveitar as fontes energéticas de que dispõe. Aponta ainda perdas e desperdício de água.
O exame físico demonstra ser uma paciente obesa, febril, com notável distribuição das células mais pobres na periferia. Apresenta- se extremamente dispneica, com falta de ar e notório escurecimento do ar expirado por fuligem. O ritmo dos batimentos cardíacos mostra diminuição (bradicardia). Apresenta edema generalizado (inchaço), coincidindo com chuvas (congestão arterial). Além disso, observam-se intensas áreas sem pilificação, alopecia (queda de cabelo) crescente, pois sua cobertura vegetal foi parcialmente destruída. A pele está seca, espessa e escura devido ao asfaltamento e à impermeabilização do solo. Constata-se déficit de audição por excesso de ruídos.
Exames laboratoriais complementares foram realizados para auxiliar o diagnóstico da paciente. Dados epidemiológicos e científicos ilustram e elucidam o caso clínico dessa velha senhora. Exames do ar mostram que as fontes móveis (veículos) passaram a ter, a partir da década de 80, maior participação na carga de poluentes emitidos na atmosfera que as fontes industriais e se tornaram a principal causa de poluição na região metropolitana e outros grandes centros urbanos do país. De acordo com estimativas da agência ambiental do estado de São Paulo – Cetesb –, 90% dos poluentes gasosos resultam da queima de combustíveis fósseis nos veículos automotivos (97% das emissões de CO – monóxido de carbono – e 96% de NO2 – dióxido de nitrogênio). Há registros de que tenha a maior concentração de ozônio e material particulado do país. Essa poluição do ar provoca perto de 4 mil mortes prematuras/ ano. Estima-se que os níveis atuais de poluição levem a uma redução da expectativa de vida do habitante em cerca de 1,5 ano, devido a três desfechos: câncer do pulmão e vias aéreas superiores; infarto agudo do miocárdio e arritmias; e bronquite crônica e asma. Viver em São Paulo corresponde a fumar quatro cigarros diariamente em decorrência das partículas em suspensão no ar.

Nuances da postura nuclear do Brasil

Nuances da postura nuclear do Brasil
O Globo – 25/05/2010
O empenho do governo brasileiro na questão do programa nuclear do Irã refletiria, segundo o Itamaraty, a tradicional postura brasileira de dar preferência a esgotar todos os canais de negociação antes de qualquer decisão mais dura, como as sanções que os EUA manobram para impor ao Irã, por descumprir as exigências da comunidade internacional.
Mas não é só isso. Recentemente, o vice-presidente José Alencar voltou a defender a suposta necessidade de o país ter a bomba nuclear como arma dissuasória. Parece estranho que o vice insista numa opção abandonada formalmente quando o Brasil inscreveu, na Constituição de 1988, o uso exclusivo da energia nuclear para fins pacíficos. O próprio presidente Lula afirmou, em 2009, que "o Brasil é o único país do mundo que menciona em sua Carta Magna a proibição de ter uma arma nuclear". Mas quem se lembra da campanha presidencial de 2002 sabe que Lula provocou polêmica ao criticar a adesão do país ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), e depois teve de voltar atrás. Isso explica boa parte do que ocorre hoje.
Na década de 90, o Brasil se manteve firme no rumo fixado na Constituição. Em 1991, assinou com a Argentina um acordo para inspeções bilaterais e recíprocas de seus programas nucleares. Em 1994, promulgou o Tratado de Tlatelolco, para proscrição de armas atômicas na América Latina e no Caribe. E, em 1997, firmou o TNP, ora em revisão.
Mas há setores influentes no atual governo que criticam essas opções. Um deles é capitaneado pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, hoje ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Esses fatos e a posição do Brasil de oposição às sanções ao Irã levantam suspeitas de que o lulismo esteja preparando terreno para investir contra o TNP. Um dos argumentos é que, sem a bomba, o Brasil seria um BRIC de papel, já que tanto Rússia quanto Índia e China, os companheiros de sigla, fazem parte do clube atômico. Outro é que países oficialmente nucleares (EUA, Rússia, China, França e Grã-Bretanha) pouco fazem para destruir seus arsenais, um dos objetivos finais do TNP.
O que se depreende é que o governo brasileiro, em seus cálculos estratégicos para ampliar o raio de ação do país, chegou à conclusão de que é preciso ir contra os interesses dos Estados Unidos, pois as "amarras" contidas em tratados como o TNP representariam uma capitulação diante da potência hegemônica.
Esta é, no mínimo, uma política temerária. Nada contra a posição brasileira de não concordar com inspeções mais detalhadas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) a sua nova geração de centrífugas. Trata-se da preservação de um segredo tecnológico que pode ter bons resultados comerciais. Até porque o programa nuclear do país, como está desenhado, frise-se, já é suficientemente transparente para impedir o aventureirismo nos campos das armas.
O que não faz sentido é mudar, como querem alguns no governo, a essência da postura nuclear do país - fundamental para manter a América Latina a salvo de uma corrida extremamente perigosa neste campo. Não podemos importar para a região a tensão que, por exemplo, Índia e Paquistão plantaram naquela parte do mundo.

De volta para o futuro do Ficha Limpa

De volta para o futuro do Ficha Limpa
Efeitos da mudança no tempo verbal do texto da lei dividem especialistas
Alessandra Duarte

Aqueles que forem afeitos a uma polêmica vão gostar da discussão. No debate em torno da nova redação do projeto Ficha Limpa, recém-aprovado no Congresso, agora há quem diga que a mudança no tempo verbal do projeto - pela nova redação, no lugar de "os que tenham sido condenados" entrou "os que forem condenados" - não exclui do alcance da lei os políticos já condenados. Segundo professores e gramáticos, a palavra "condenados", aqui, teria uma função de adjetivo - o que faria com que a lei incluísse todos os que estão na condição de condenados, assim como a frase no início deste texto inclui todos os afeitos a polêmicas.
Para o professor de língua portuguesa Ozanir Roberti, consultor do GLOBO, o "forem", nesse caso, é verbo de ligação. Isso significa que ele não indicaria ação futura (aqueles que vierem a ser condenados), mas apenas um estado ou uma qualidade do sujeito (o estado de ser condenado).
- Vou dar um exemplo. Alguém chega para um grupo de pessoas e diz: "Apresentem-se os que forem condenados". Se ali estiver uma pessoa que foi condenada no passado, que acabou de sair da prisão, digamos, essa pessoa vai se apresentar, porque ela se encaixa na qualidade de condenado - explica Roberti. - Dizer que essa alteração no tempo verbal excluiu os já condenados é tentar armar uma escapatória para os que têm condenações. O texto, como está, vale para eles também, não tenho a menor dúvida disso. Não me venham com subterfúgios gramaticais.
Imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), o filólogo Evanildo Bechara afirma que, enquanto o tempo verbal "tenham sido" é mais claro e aponta para uma só categoria - aqueles que já foram condenados no passado -, a expressão "os que forem condenados" dá margem a duas interpretações:
- Uma dessas interpretações abrange só os que vierem a ser condenados. A outra, porém, abrange todos aqueles na condição de condenados, o que, portanto, inclui os que já tiveram condenações. Do meu ponto de vista, essa segunda interpretação é a mais próxima do espírito inicial do projeto pensado pela sociedade. E eu escolho o que está mais próximo do espírito do projeto - analisa Bechara.
No último sábado, a escritora Ana Maria Machado também defendeu, na coluna de Merval Pereira no GLOBO, a interpretação de que "os que forem condenados" significa todos aqueles na condição de condenados: "Na famosa frase que aprendemos na escola (creio que de Osório), a conclamação era: 'Quem for brasileiro siga-me'. Uma maneira de dizer, no singular: 'Os que forem brasileiros sigam-me'. A urgência era evidente. Não se fazia necessário esperar processos de naturalização ou novos nascimentos".
Já para Sergio Nogueira, professor de Língua Portuguesa, entretanto, a alteração no texto pelo Senado provocou redução do alcance do projeto Ficha Limpa.
- "Tenham sido" é pretérito perfeito do subjuntivo. "Forem" é futuro do subjuntivo. E futuro é futuro, passado é passado. "Forem condenados" é o mesmo que "vierem a ser condenados"; ou seja, é para a frente, é para os que serão condenados no futuro. Não inclui as condenações que já ocorreram. Não dá para discutir com a norma - afirma Nogueira. - Agora, se formos ver por que fizeram essa mudança, e aí já entramos no campo da opinião, para mim tudo leva a crer que foi para livrar aqueles com condenações, sim. Da forma como fizeram, os parlamentares quiseram não deixar de aprovar o projeto, para não ficarem mal com a população, ainda mais em ano eleitoral. Mas, ao mesmo tempo, livraram boa parte dos que poderiam ser atingidos.

Duke, para O Tempo



Essa extraordinária Lya Luft - Reflexão

"Na arte como nas relações humanas, que incluem os diversos laços amorosos, nadamos contra a correnteza. Tentamos o impossível: a fusão total não existe, o partilhamento completo é inexeqüível. O essencial nem pode ser compartilhado: é descoberta e susto, glória ou danação de cada um - solitariamente.
Porém numa conversa ou num silêncio, num olhar, num gesto de amor como numa obra de arte, pode-se abrir uma fresta. Espiarão juntos, artista e seu espectador ou seu leitor - como dois amantes.
E assim, rasgando joelhos e mãos, a gente afinal vai.
Por isso escrevo e escreverei: para instigar o meu leitor imaginário -substituto dos amigos imaginários da infância? - a buscar em si e compartir comigo tantas inquietações quanto ao que estamos fazendo com o tempo que nos é dado.
Pois viver deveria ser – até o último pensamento e o derradeiro olhar - transformar-se.
O que escrevo aqui não são simples devaneios. Sou uma mulher do meu tempo, e dele quero dar testemunho do jeito que posso: soltando minhas fantasias ou escrevendo sobre dor e perplexidade, contradição e grandeza; sobre doença e morte. Lamentando a palavra na hora errada e o silêncio na hora em que teria sido melhor falar.
Escrevo continuamente sobre sermos responsáveis e inocentes em relação ao que nos acontece.
Somos autores de boa parte de nossas escolhas e omissões, audácia ou acomodação, nossa esperança e fraternidade ou nossa desconfiança. Sobretudo, devemos resolver como empregamos e saboreamos nosso tempo, que é afinal sempre o tempo presente.
Mas somos inocentes das fatalidades e dos acasos brutais que nos roubam amores, pessoas, saúde, emprego, segurança, ideais.
De modo que minha perspectiva do ser humano, de mim mesma, é tão contraditória quanto, instigantemente, somos.
Somos transição, somos processo. E isso nos perturba.
O fluxo de dias e anos, décadas, serve para crescer e acumular, não só perder e limitar.
Dessa perspectiva nos tornaremos senhores, não servos. Pessoas, não pequenos animais atordoados que correm sem saber ao certo por quê.
Se meu leitor e eu acertarmos nosso tom recíproco, este monólogo inicial será um diálogo - ainda que eu jamais venha a contemplar o rosto do outro que afinal se torna parte de mim.
Então a minha arte terá atingido algum tipo de objetivo."

LYA LUFT, em 'Perdas & Ganhos', 32ª edição, Editora Record, 2006, p.p 15/17

Quando chove - Patricia Marx

José Saramago

No coração talvez

No coração, talvez, ou diga antes:
Uma ferida rasgada de navalha,
Por onde vai a vida, tão mal gasta.
Na total consciência nos retalha.
O desejar, o querer, o não bastar,
Enganada procura da razão
Que o acaso de sermos justifique,
Eis o que dói, talvez no coração.

José Saramago

Le Pont Japonais por Claude Monet

NANI



Cérebro “avisa” pouco antes de cometermos um erro

Cérebro “avisa” pouco antes de cometermos um erro

Pouco antes de você cometer um erro, seu cérebro dá sinais de alerta, segundo estudo da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. De acordo com os autores, essa descoberta poderá levar ao desenvolvimento de aparelhos que avisem aos controladores de trafego aéreo quando eles estão perdendo a atenção. Usando uma técnica não-invasiva – chamada magnetoencefalografia, que é mais sensível que o tradicional eletroencefalograma – os pesquisadores registraram as ondas cerebrais de estudantes durante um teste monótono que exigia atenção. E descobriram que, um segundo antes de os voluntários cometerem erros, suas ondas cerebrais ficavam mais fortes em duas regiões, o que não acontecia com aqueles que completavam a tarefa corretamente. Os pesquisadores descobriram também que os erros causavam mudanças imediatas na atividade das ondas na região frontal do cérebro, que pareceu reduzir a atividade das ondas alfa na parte de trás do cérebro. “É como se o cérebro estivesse falando ‘preste atenção!’, e, então, reduzindo a probabilidade de outro erro”, disse o pesquisador Ali Mazaheri, da Universidade da Califórnia. Os especialistas esperam que os resultados sejam traduzidos rapidamente para a aplicação prática, como um “eletroencefalograma wireless (sem fio)” para profissões ou tarefas que exijam atenção constante, como o controle do tráfego aéreo. Além disso, segundo os autores, os resultados poderiam levar a novas terapias para crianças com déficit de atenção e hiperatividade.
(Human Brain Mapping, 23 de março de 2009) Colaboração: Cláudio Lima

Divagações sobre um quadro de João Uchôa

Divagações sobre um quadro de João Uchôa

Deonísio da Silva, Jornal do Brasil
RIO - Na exposição da obra artística do fundador da Universidade Estácio de Sá, o juiz aposentado, escritor e pintor João Uchôa Cavalcanti Netto, realizada primeiramente em Lausanne, na Suíça, e agora no Rio, na Livraria Saraiva, depois de ter sido exibida no Espaço Telezoom, há um quadrado a que falta um dos lados. A propósito deste recurso criativo, a psicanalista Gilda Pitombo, com quem tive a honra de dividir a mesa, mais a companhia sempre agradável e instigante de Marcelo Campos, fez um comentário muito interessante sobre as faltas que em nós não vemos, mas vemos nos outros, e acabamos por vê-las melhor quando as vemos neles e não em nós.
Só então é que percebemos que em nós também fazem falta certos apoios. No quadro que contemplei, era o lado de baixo do quadrado que estava faltando. Quase disse “no quadro que completei”, e não “no quadro que contemplei”, que seria um mote muito apreciado por aqueles que prestam atenção a detalhes, atos falhos, lapsos. A arte e a literatura chegaram ao inconsciente antes de Sigmund Freud. Elas veem o passado, veem o presente e antecipam o futuro, tornando o tempo como que redondo. Pois é verdade que o futuro, que nos é desconhecido, pode ser antevisto pelo exame do presente e do passado, que nos ajudam a compreender o que virá.
As artes e a literatura são ferramentas para este entendimento. No futuro, ninguém vai ser muito diferente do que está sendo agora, salvo exceções. Mas exceções também confirmam a norma. E a norma é: você está vivendo de modo muito semelhante ao que viveu no passado. E seus próximos anos – de novo, salvo exceções – serão muito semelhantes ao atual.Quando diante de problemas semelhantes, Santo Agostinho disse uma frase que me encanta pela unidade dos universais da condição humana: “Um rosto irado não é latino nem grego”.
Por que, então, tantas angústias rondam o ser humano? Talvez a principal causa seja que não podemos confiar cegamente nos sentidos, pois eles nos enganam. Assim, apelamos para a literatura, para as artes e também para o mágico, para aquilo que pode acontecer fora dos domínios do real e da lógica, de que são exemplos o que nos dizem as cartomantes e as adivinhas, pois essas profissões são preferencialmente exercidas por mulheres, tidas como mais intuitivas do que os homens. No Rio de Janeiro, parecem predominar as adivinhações por búzios, talvez pela proximidade do Oceano Atlântico. Mas longe da costa prevalece leitura das linhas de nossa mão, onde, aliás, não está escrito nada, são linhas vazias. Mas elas veem ali significados ocultos a nosso pobre entendimento.
Vejam só o teste que vale a pena fazer, um exercício criado para mostrar que nosso cérebro tem um bug. O cérebro de escritores e artistas não apenas não tem esse bug, como tem os seus antônimos. E o que dizem de algum modo se aproxima dos diagnósticos de cartomantes e adivinhas, que ali chegaram por outros caminhos.
Faça, de cabeça, como se diz, a seguinte conta: você tem 1000, acrescenta 40, são 1040. Acrescenta mais 1000. São 2040. Acrescenta mais 1000. São 3040. Acrescenta mais 30. São 3070. Acrescenta mais 1000. São 4070. Acrescenta mais 20. São 4090. Acrescenta mais 10. Você chega a 5000. Agora, tome uma calculadora e vá somando, parte por parte. O resultado é 4100. Nosso cérebro fez um erro de 900 em 4100. É um erro de quase 22%. Se nosso cérebro faz um erro tão grande numa conta tão simples, quantos e quão grandes erros não fará em coisas mais complexas?
Você não vê os erros de seu cérebro, mas saiba que eles existem. Preste muita atenção às intuições que você tem ao contemplar ou completar um quadro! Elas te enganam menos!
Foram essas divagações e pensamentos imperfeitos que me vieram à cabeça naquela mesa que discutia a obra de João Uchôa, mas naquela mesa estava faltando ele, embora estivesse ali com seus quadros!
Deonísio da Silva é escritor.

O custo de uma boa relação entre o México e os EUA

O custo de uma boa relação entre o México e os EUA
NYTimes - Marcela Sanchez
Esta semana Washington recebeu o presidente mexicano Felipe Calderón com honras dignas de uma celebridade e a pompa diplomática que só esta cidade pode oferecer. Mas os jantares de Estado, os discursos diante do Congresso e os palcos compartilhados com astros como Obama ou estrelas como Beyoncé não são exatamente do agrado do governante. Como diriam os mexicanos, Calderón não estava “en su mero mole”, ou seja, no seu melhor momento.
Durante os três anos e meio que transcorreram desde que assumiu o cargo em dezembro de 2006, Calderón preferiu não se expor demais nessa capital, por conta de um tipo de relação bilateral muito diferente da estabelecida por seu antecessor, Vicente Fox. Convencido de que prometer e exigir demais não foi bom para nenhum dos dois países nos seis anos anteriores, Calderón optou, em contrapartida, por reduzir as expectativas, concentrando-se em temas de benefício mútuo e que pudessem ser digeridos em Washington e na Cidade do México: a luta contra o crime organizado e o aumento da segurança fronteiriça, ao mesmo tempo que se agilizam os cruzamentos legais.
 Esse tipo de diplomacia com luva de pelica surtiu um bom efeito. A cooperação entre ambos os países alcançou níveis históricos de assistência e entendimento. Nos últimos dois anos, mais de US$ 1 bilhão foram designados por Washington para auxiliar Calderón em sua difícil, porém corajosa, luta contra os carteis de drogas.
Esta ajuda está agora se transformando no respaldo às instituições democráticas e comunidades que se encontram no fogo cruzado dos criminosos, o que reflete um entendimento mais preciso por parte dos EUA quanto aos desafios que seu vizinho do sul enfrenta. Funcionários do governo Obama reconheceram, além disso, em várias ocasiões, a responsabilidade norte-americana na luta do México, coisa que os norte-americanos país não quiseram ouvir durante anos.
Os mexicanos, entretanto, desconfiam cada vez mais da estratégia antidrogas de Calderón, que deixou um saldo de quase 23 mil mortos. Seu partido sofreu nas urnas e figuras importantes o criticaram por não ter previsto as consequências de mexer nesse enxame de violência. Diante dessas circunstâncias, parecia que um tapinha no ombro por parte do presidente Obama, transmitido pela televisão internacional, seria bom para o reticente Calderón. Mas os Estados Unidos tinham mais do que afeto a oferecer.
Há menos de um mês, o Arizona adotou a lei mais dura do país contra a imigração ilegal. Embora a norma já tenha recebido algumas emendas e várias demandas legais ainda estejam pendentes, ela desatou uma severa reação no México, o que obrigou seu presidente a falar mais abertamente sobre o tema da migração. Desde sua chegada à Casa Branca, Calderón denunciou a nova lei estadual por ser discriminatória. Posteriormente, confessou ter dito a Obama que o México manterá sua “forte rejeição à criminalização da migração” e que seu governo “fará uma oposição firme” à sua aplicação. Em seu discurso durante uma sessão conjunta do Congresso, ele se referiu à lei como “uma ideia terrível”.
Segundo Andrés Rozental, especialista mexicano em política exterior, Calderón se viu forçado a “defender ou fazer pronunciamentos públicos sobre este tema”, o que havia evitado anteriormente. Não se sabe qual será o efeito do recente estilo apaixonado de Calderón no acalorado debate norte-americano sobre a imigração. Ao lado de seu colega mexicano, Obama reiterou seu compromisso de reformar o deficiente sistema migratório norte-americano, mas reconheceu que não têm os 60 votos que precisa para fazê-lo no Senado.
Existe a possibilidade de que a mudança de tom tenha um resultado contraproducente e torne ainda mais difícil que os republicanos apoiem a reforma. Mas, também, é difícil imaginar que o México não tenha o que falar num debate que afetará milhões de seus compatriotas e exigirá a cooperação deste país, independente da direção que a discussão tome. Rozental está convencido de que o silêncio de Calderón, assim como o de Vicente Fox em seus últimos anos na presidência, foi um erro. “Os norte-americanos – diferentemente de outras culturas – sempre preferiram ouvir as coisas diretamente”, saber o que os mexicanos realmente pensam sobre um tema que tanto os afeta.
Mas os Estados Unidos também querem saber o que o México está fazendo para deter a migração ilegal. Andrew Selee, diretor do Instituto Mexicano do Centro Woodrow Wilson, enfatizou numa entrevista que Calderón “não tem muita autoridade moral para dar sermões sobre a necessidade de mudar a lei migratória dos Estados Unidos, se não os acompanhar com uma mensagem acerca da responsabilidade do México de criar oportunidades para que as pessoas fiquem no país.” O governante pareceu ter escutado o conselho. Em seu discurso de 35 minutos no Congresso, dedicou um bom tempo para descrever seus esforços “para transformar o México numa terra de oportunidades” e assim dar aos mexicanos uma razão a menos para emigrar. “O México está decidido a assumir sua responsabilidade. Para nós a imigração não é um problema só dos Estados Unidos, mas também de nosso país.” Ele também destacou a firmeza de seu governo em combater o crime organizado, apesar do custo tremendo de vidas e recursos e do risco para sua própria posição política.
O líder mexicano não é do tipo que deseja atrair a atenção pública internacional. Mas, talvez, já tenha conseguido mais do que seus antecessores ao chegar a Washington com provas tangíveis de que seu país entende que há um custo a pagar para ter melhores relações com os Estados Unidos. Tradução: Eloise De Vylder

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