domingo, outubro 03, 2010

Adolescentes Xhosa

Adolescentes Xhosa, iniciados na masculinidade de um antigo ritual da circuncisão dos séculos chamado ulwaluko, estadia em isolamento fora de sua aldeia Cabo Oriental, embrulhados em cobertores cerimonial e pintados com argila branca para a purificação. Cirurgias em Hospital reduziriam a taxa de infecção, mas muitos meninos optar pelo rito antigo.
Fotografia por James Nachtwey, National Geographic

Brasil vota, pobre mas feliz

Brasil vota, pobre mas feliz
CLÓVIS ROSSI - FOLHA DE SÃO PAULO - 03/10/10
SÃO PAULO - O Brasil que vai hoje às urnas é, na essência, do seguinte tamanho social: metade dos eleitores (67,5 milhões) ganham, no máximo, até dois salários mínimos.
Seria preciso torturar os fatos para dizer que pertencem à classe média, esse paraíso a que foram conduzidos 30 milhões de brasileiros segundo o ufanismo em voga.
Dos eleitores brasileiros, 13 milhões (10%, pouco mais ou menos) é pobre, pobre mesmo. Ganham menos de um salário mínimo. Figuram entre os 28 milhões excluídos do sistema público de aposentadoria e auxílios trabalhistas.
São, portanto, ninguém.
Também no capítulo educação, a pobreza é radical: 49% dos eleitores fizeram, no máximo, o curso fundamental.
Nesse país que tanto seduz a mídia estrangeira, mais de 60% de seus alunos não têm a capacidade adequada na área de ciências. No exame mais recente, o Brasil ficou em 52º lugar entre 57 países, no quesito ciência.
Alguma surpresa com o fato de que a sétima ou oitava potência econômica mundial é apenas a 75ª colocada quando se mede o seu desenvolvimento humano?
Não tenhamos medo das palavras: o Brasil que vai às urnas é um país pobre, obscenamente pobre para o seu volume de riquezas naturais, território e população.
É também obscenamente desigual, apesar da lenda de que a desigualdade se reduziu. É impossível reduzir a desigualdade em um país que dedica ao Bolsa Família (12,6 milhões de famílias) apenas R$ 13,1 bilhões e, para os portadores de títulos da dívida pública (o andar de cima) a fortuna de R$ 380 bilhões, ou 36% do Orçamento-2009.
Ainda assim, é um país mais feliz do que era há oito anos ou há 16 anos. Fácil de entender: "O pobre quer apenas um pouco de pão, enquanto o rico, muitas vezes, quando encosta na gente, quer um bilhão", já ensinou mestre Lula.

Segundo turno! A força de MARINA SILVA! Somos 20%!

Duke, para O Tempo


O Congresso Tiririca

O Congresso Tiririca
Uma pesquisa exclusiva ÉPOCA/Ibope ajuda a entender por que o palhaço cantor virou o símbolo das eleições para deputado e senador
Ricardo Mendonça e Victor Ferreira (texto) e Filipe Redondo (fotos). Com Mariana Sanches - Revista ÉPOCA
Desde o início da propaganda eleitoral na TV, o palhaço Tiririca, nome artístico do humorista Francisco Oliveira Silva, de 45 anos, candidato a deputado federal em São Paulo pelo PR, repete dois slogans que viraram as marcas de sua campanha. O primeiro é “Vote em Tiririca. Pior que está não fica”. O segundo é “Você sabe o que faz um deputado federal? Eu não sei, mas vote em mim que eu te conto”.
O próprio sucesso eleitoral de Tiririca, um dos prováveis campeões de voto para deputado federal, sugere a nulidade do primeiro bordão. Com uma campanha rica e organizada, Tiririca é incapaz de defender ou formular minimamente qualquer proposta e debocha acintosamente do sistema eleitoral.
Cerca de 60% dos eleitores acham que arrumar emprego, ajudar aliados e promover eventos de lazer são funções de um deputado federal
Só 13% valorizam em primeiro lugar os parlamentares que estudam e participam das votações importantes do país
73% afirmam que o total de deputados federais e senadores da República deveria diminuir
Estima-se que, em números absolutos, Tiririca poderá ser o parlamentar mais votado do Brasil, com potencial para atingir mais de 1 milhão de sufrágios. Esse índice seria suficiente para levar em sua garupa mais quatro ou cinco deputados para Brasília, beneficiando candidatos menos votados da coligação, que inclui PT, PCdoB, PRB e PTdoB.
Enquanto o primeiro bordão de Tiririca tende a ser desmentido pelos fatos, o segundo resume com precisão um tipo de deficiência que parece generalizado entre os eleitores. Uma pesquisa inédita feita pelo Ibope sobre o grau de conhecimento a respeito das funções de deputados e senadores mostra exatamente aquilo que Tiririca não para de repetir: a maior parte das pessoas aptas a votar não sabe bem ao certo para que serve um congressista.
O questionário da pesquisa foi elaborado por ÉPOCA com o auxílio do cientista político Fernando Abrucio e de profissionais do Ibope. A pesquisa mostra que a maioria dos eleitores é capaz de identificar corretamente algumas atribuições dos parlamentares. Quase 90% concordam que “votar pela criação ou reforma de leis” é função de um deputado. Além disso, 83% responderam positivamente à questão sobre a fiscalização do governo federal pelo Legislativo. Mas, em geral, prevalece na cabeça do eleitor a confusão.
Eis as principais constatações:
    * 75% dos eleitores afirmam que “realizar obras para a população” é uma das funções inerentes ao cargo de deputado federal. Definição, contratação e execução de obras são atividades reservadas aos Poderes Executivos (prefeituras, governos estaduais e federal). Um deputado tem poder extremamente limitado nesse aspecto. Ele pode, em tese, apenas influenciar na confecção de uma parte do Orçamento da União, o que, de certa forma, acaba influenciando na realização de uma obra. “A maioria dos eleitores pensa que é função do deputado fazer obras porque existem as emendas individuais dos parlamentares ao Orçamento. Enquanto elas vigorarem, a confusão vai continuar”, diz o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB). O alto índice de confusão ocorre porque as emendas individuais permitem aos candidatos a deputado prometer obras que eles não serão capazes de entregar, como pavimentação de estradas e construção de estações e até linhas de metrô.
    * Para 61% dos eleitores, é função do deputado “ajudar seus aliados de campanha em negócios com o governo”. Apenas 33% discordam dessa afirmação. A conhecida “retribuição” que alguns políticos eleitos costumam dar aos financiadores de campanha é uma das tradições mais danosas da política nacional, fonte de inúmeros casos de corrupção, favorecimento e empreguismo. É por conta desse tipo de problema que se discute a adoção de financiamento público de campanhas, uma forma de livrar os políticos da dependência quase que total de financiamentos privados. O índice de eleitores que não percebem a gravidade dessa prática é alto mesmo entre os mais instruídos. No universo dos que têm ensino superior, 54% afirmaram que é função do deputado, sim, ajudar seus aliados de campanha em negócios estatais.
    * 59% dos eleitores acreditam que “promover eventos sociais e de lazer para a população” está entre as funções do deputado. É comum encontrar políticos que conseguem boa votação com patrocínios a times amadores de futebol, bailes de formatura ou festas juninas. Essa tradição antiga, que nada tem a ver com as funções do mandato parlamentar, continua a vigorar porque é vista com bons olhos pelos eleitores, conforme mostra a pesquisa. No Nordeste, três de cada quatro eleitores concordam com a afirmação embutida na pergunta. Na semana passada, a reportagem de ÉPOCA submeteu parte do questionário do Ibope ao candidato Tiririca. Ele também respondeu que é função de um deputado apoiar eventos sociais.
    * Para 58% dos eleitores, uma das funções de um deputado federal é “ajudar seus eleitores a conseguir emprego”. Gabinetes de deputados federais, estaduais e vereadores costumam receber diariamente inúmeros pedidos de emprego, público ou privado. “É uma prática tão comum que o resultado alto não me surpreende”, diz Márcia Cavallari, diretora do Ibope. “Basta passar um dia numa Câmara de Vereadores para perceber esse tipo de movimentação.” Nem sempre as pessoas estão atrás de emprego público. Muitos imaginam que o político tem influência suficiente para convencer empresas privadas a arrumar uma vaga para seus indicados. É comum encontrar políticos que percebem esse fenômeno como uma oportunidade eleitoral. São os que acabam transformando o gabinete em agência informal de empregos, com cadastro de vagas e banco de dados de pedintes. Trata-se, evidentemente, de uma clara distorção da função parlamentar. Entre os eleitores que ganham até um salário mínimo, 77% acreditam que essa é uma das atribuições de um deputado.
A questão de influência parlamentar na elaboração do Orçamento reaparece com destaque em outra pergunta feita pelo Ibope. Quando questionados a respeito do que mais valoriza num deputado, 39% afirmam que é justamente a capacidade de mudar o Orçamento para levar obras para sua cidade. “Isso mostra que há uma visão muito municipalista. O eleitor pensa só sobre o lugar onde vive”, diz o cientista político Octaciano Nogueira. “Somados aos que valorizam a distribuição dos remédios para os pobres, dá 55% dos eleitores. A maioria, portanto, vê o deputado como um meio de obter benefícios. Isso revela uma péssima cultura cívica, pois as pessoas não sabem distinguir entre níveis municipal, estadual e federal. Tudo isso é produto de pouca informação sobre política.”
A candidatura do palhaço Tiririca deslanchou ao surfar nesse ambiente de desinformação. Nas últimas semanas, seu projeto ganhou proporções que poucos imaginavam ser possível. “Não lembro de ter visto algo que foi tão longe em termos de galhofa”, diz o cientista político Jairo Nicolau. “Já houve outros palhaços, mas Tiririca encaixou de tal modo um discurso que eu não sei nem explicar.” ÉPOCA acompanhou a agenda de rua de Tiririca por dois dias. A estrutura é de uma campanha abastada e bem arquitetada, completamente diferente da imagem humilde projetada pelo artista. Durante as carreatas, um grupo de assessores e mais de 30 cabos eleitorais fantasiados de Tiririca acompanham o candidato. Dois deles relataram ganhar R$ 1.800 por três meses de trabalho. Para levar a tropa, Tiririca tem a sua disposição um micro-ônibus, duas vans, uma Kombi, uma camionete e um carro de passeio. O material impresso é farto. A última prestação parcial de contas, do dia 15 de setembro, mostra que Tiririca já arrecadou quase R$ 600 mil. O PR, chefiado em São Paulo pelo deputado federal Valdemar Costa Neto, réu no processo do escândalo do mensalão (esquema de financiamento ilegal de políticos e partidos aliados do governo Lula no Congresso), afirma que são recursos do partido. Tiririca declarou à Justiça Eleitoral ter patrimônio zero. Desconfiado de uma fraude, o Ministério Público Eleitoral o denunciou por omissão de bens.
Na terça-feira, equilibrando-se em cima de uma camionete, Tiririca percorreu o centro das cidades de Ibiúna e Cotia, na Grande São Paulo. Seu filho Éverson Silva, que também é humorista, acompanhava o pai pedindo votos no microfone. “Vote no deputado vestido de palhaço, muito melhor que esses palhaços vestidos de deputado”, diz. A mensagem tinha aparente boa aceitação do público que acenava para Tiririca e reflete a desconfiança generalizada dos eleitores em relação aos políticos e ao Congresso.
Na pesquisa Ibope, essa imagem negativa dos parlamentares aparece em outro indicador: 73% dos eleitores consideram excessivo o número de congressistas (513 deputados federais e 81 senadores) e defendem sua redução. Não é um resultado surpreendente, na opinião dos estudiosos: “Isso é resultado da ênfase que se dá ao plenário vazio, aos altos salários dos parlamentares, à percepção de que eles não fazem nada”, diz a cientista política Argelina Figueiredo, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) . “Se as pessoas não se sentem representadas, elas não acham que vale a pena o dinheiro que é posto no Congresso.” É por essas e outras que Tiririca virou o símbolo da eleição.
Parlamento para quê?
A pesquisa realizada pelo Ibope a pedido de ÉPOCA mostra que o conhecimento dos eleitores a respeito do funcionamento do Congresso Nacional é confuso. A maioria entende que as eleições para deputado e senador são importantes. A mesma maioria, porém, demonstra ter visões equivocadas a respeito das funções dos deputados e valoriza comportamentos questionáveis de seus representantes

O impossível pede passagem

O impossível pede passagem
Villas-Bôas Corrêa - JORNAL DO BRASIL - 03/10/10
Qualquer tentativa de análise sobre a surpreendente reviravolta nos rumos da campanha eleitoral - com a candidata franca favorita, Dilma Rousseff, lançada e apoiada pelo presidente Lula e o poderoso esquema governista, despencando de escada abaixo, coma queda de dez pontos em duas semanas entre eleitores com curso superior -antes da última rodada de debates na rede Globo de TV, na quinta-feira passada, e a última pesquisa não irá além de um simples e tendencioso palpite de torcedor.
Por enquanto, devemos ficar nas modestas preliminares, que não são de desprezar. Em que errou o presidente Lula, o maior líder popular na história deste país, que está pagando um alto preço pelo excesso de confiança, tripudiando sobre os adversários, na verdade sobre o candidato da oposição, José Serra, que vinha perdendo pontos com a campanha de maçante monotonia, a bater na mesma tecla de promessas mirabolantes?
Um pouco de cautela e modéstia nunca fez mal a ninguém. E o inesperado chega em dose tripla: o tombo da candidata Dilma, até então a franca favorita, a estagnação do candidato José Serra e a disparada por fora da candidata Marina Silva, do Partido Verde, e que representa a surpresa e a novidade da defesa do meio ambiente.
Um pouco de água ainda passará debaixo da pinguela, até a abertura da primeira boca de urna, neste domingo das eleições. E entre as novidades não é irrelevante a complicação no exercício do voto para o cacho de candidatos a presidente e vice-presidente da República, governador e vice-governador de estado - isto para o Executivo.
E para a murcha esperança de uma vassourada no pior Congresso de todos os tempos, o eleitor, sem tomar fôlego, deverá votar em dois candidatos a senador, em um deputado federal e em um deputado estadual.
O horário de propaganda eleitoral em rede nacional de televisão mais confundiu e irritou os eleitores do que ajudou a escolher os seus candidatos. Com as exceções que se diluíram no pacote do ridículo, foi um desfile constrangedor.
Os eleitores hoje têm de escolher os seus candidatos. E devem anotar nomes numa cola para facilitar uma votação, que é teste para os nervos e a paciência.
E até lá, matutar sobre as escolhas para não purgar o remorso por novos enganos. Não bastam o atual Congresso e a baixaria da campanha?

William para Charge Online


Unasul adotará cláusula contra golpes

Unasul adotará cláusula contra golpes
Bloco sul-americano quer isolar países onde houver ruptura da ordem democrática e constitucional
Janaína Figueiredo – O Globo
 QUITO. A crise política equatoriana levou os países que integram a União de Nações SulAmericanas (Unasul) a acelerarem os tempos de elaboração de uma cláusula democrática do bloco que, segundo confirmaram altas fontes de governos da região, deverá ser aprovada na próxima reunião de presidentes, em novembro. A incorporação da nova cláusula foi discutida pelos ministros das Relações Exteriores que chegaram na sexta-feira a Quito para reforçar o respaldo internacional ao governo do presidente Rafael Correa.
Durante um jantar na sede da Chancelaria equatoriana, do qual O GLOBO participou, os ministros do continente conversaram sobre os riscos de novas interrupções da democracia sulamericana, além de ouvirem o relato detalhado do chanceler do Equador, Ricardo Patiño, sobre o resgate cinematográfico do presidente e se informarem com o ministro chileno, Alfredo Moreno, sobre a situação dos 33 mineiros de Copiapó (assunto que roubou a cena durante grande parte do encontro).
O objetivo dos membros da Unasul é isolar do bloco países cujos governos sejam derrubados ou tenham suas instituições atacadas por golpes militares, policiais, civis, revoltas ou qualquer tipo de crise política que implique uma “interrupção da democracia”, segundo explicaram autoridades. A possibilidade de incluir uma cláusula democrática é discutida há algum tempo, mas a última crise que assolou o governo Correa deu forte impulso à iniciativa.
Nos próximos dois meses, os países do bloco terminarão de redigir a cláusula, que seria assinada por todos os governos. A lista de medidas que entrariam imediatamente em vigência caso algum presidente seja afastado ilegalmente do poder incluiria, por exemplo, o fechamento de todas as fronteiras com o país em crise, a suspensão de exportações (até de energia elétrica), do transporte aéreo e terrestre e a ruptura de relações.
— Chegamos a um acordo muito importante sobre a cláusula democrática — afirmou Patiño.
Segundo o chanceler equatoriano, “houve problemas em vários países e muitos governos estão preocupados porque existem divisões políticas sérias e poderiam ocorrer novas tentativas de golpe”.
— Agora muitas pessoas entendem por que o Equador participou tanto na crise de Honduras. O presidente Correa disse que o Equador podia ser o próximo, e foi o que aconteceu — enfatizou.
Em comunicado, o bloco afirmou que “os chanceleres destacaram a decisão dos presidentes da Unasul de adotar medidas concretas e imediatas contra países que apresentem casos de ruptura da ordem constitucional”.
Segundo fontes diplomáticas, Correa foi um dos mais entusiastas defensores da nova cláusula democrática.
Ministra diz que Correa deve rever polêmica lei Na tarde de ontem, a ministra da Política do Equador, Doris Solis, informou que Correa não vai dissolver o Congresso de imediato para legislar por decreto.
Sua declaração ocorre dois dias após o presidente considerar a possibilidade de dissolução do Parlamento e convocação de eleições gerais antecipadas. Solis acrescentou que o líder planeja rever a polêmica Lei do Serviço Público para esclarecer alguns pontos da medida, que desencadeou violentos protestos policiais na quinta-feira.
Em seu programa semanal de rádio e TV “Enlace cidadão”, o presidente Correa reiterou ontem que não haverá perdão para os policiais envolvidos nos distúrbios.
— Nada justifica as ações de violência — disse ele, que classificou a semana passada de “a mais triste” de todo o seu governo.

Instituições democráticas e tolerância

Instituições democráticas e tolerância
EDITORIAL - O GLOBO - 03/10/10
A sexta eleição presidencial direta consecutiva, com escolha de governadores e renovação de casas legislativas federais e estaduais, merece ser comemorada como uma reafirmação da opção da sociedade pela democracia representativa.
O país completa o período de um quarto de século, sem interrupções, dentro dos marcos de um regime republicano. Sequer a votação do impeachment de um presidente, Collor, foi capaz de produzir algum curto-circuito grave.
Lula encerrará em 90 dias oito anos de uma experiência, também histórica, durante a qual uma eclética aliança política liderada pela esquerda governou o país sem maiores sustos.
Também devido a este ecletismo, o regime democrático e suas instituições foram testados na Era Lula, e demonstraram solidez. Grupos de esquerda autoritária abrigados nesta aliança não deixaram de trabalhar em prol da tutela da sociedade pelo Estado. Suas impressões digitais na campanha eleitoral foram percebidas quando Dilma Rousseff encaminhou à Justiça, como programa de governo, algumas propostas destiladas nesses laboratório do autoritarismo. Em boa hora, a candidata recolheu o documento.
A campanha do primeiro turno foi pautada pela atuação de um presidente decidido a eleger sua candidata mesmo contra a legislação eleitoral. Mais uma vez, os pesos e contrapesos da democracia atuaram. Houve admoestações e multas, pela insistência com que Lula confundiu o papel de chefe de governo com o de líder partidário e cabo eleitoral.
Ávido em fazer o sucessor, Lula se arvorou em “dono” da opinião pública e confundiu notícia com os agentes dela, quando foi conivente com o desengavetamento da exótica acusação contra a imprensa profissional de “golpismo”, artifício dissimulador já acionado no mensalão e no caso dos aloprados. Uma imprensa partidária e/ou dependente de verbas oficiais encontra motivos — embora deploráveis — para não divulgar certas informações.
Mas o jornalismo independente, cuja razão de ser é a credibilidade, jamais fingirá que inexistem malfeitorias em Brasília ou em qualquer outro lugar, mesmo contra os interesses dos poderosos de ocasião.
Numa campanha em que regras rígidas estabelecidas pelos candidatos aos debates na TV impediram, mais uma vez, o aprofundamento da discussão de temas estratégicos, os marqueteiros continuaram a ocupar grande e indesejado espaço. Espera-se que um dia haja uma eleição no Brasil em que candidatos possam esgrimir argumentos como nas campanhas americanas, se mostrem por inteiro. Por tudo, as liberdades de expressão e imprensa estiveram no centro da campanha do primeiro turno.
Com acerto, Dilma Rousseff, na condição de quem sofreu violência desmedida de um estado ditatorial, perfilou-se entre os defensores das liberdades. Não podia ser diferente. Também aqui as instituições mostraram a necessária força, quando o Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo à arguição da Abert (associação de emissoras de TV e rádio), tirou a mordaça do humorismo e do jornalismo político na mídia eletrônica em época de campanha. Entre as tendências detectadas pelas pesquisas, prevê-se, nas eleições proporcionais, a a formação, no Congresso, de uma sólida bancada lulopetista e de aliados. Ponto importante a observar, confirmado o cenário, é o que fará esta bancada: se testará limites constitucionais, senha para a deflagração de tensões desnecessárias, ou não. O encolhimento da mancha tucana no mapa político nacional, por sua vez, coloca na agenda do PSDB, mesmo se Serra vier a ser presidente, a crise de identidade do partido: resgata no passado o projeto modernizante exitoso de FH ou insiste na linha de ser uma força paralela ao petismo, apenas com uma suposta competência técnica mais apurada? Fecha a radiografia das urnas, tudo indica, a boa notícia do avanço da agenda verde de Marina Silva, tema do futuro mas que precisa ser debatido já. Haja o que houver na disputa entre Dilma, Serra e Marina, o país que sai do primeiro turno demonstra que nada justifica buscar a hegemonia política a qualquer preço. Quando isto ocorre, os anticorpos da democracia reagem. Neste sentido, a campanha reafirmou a imperiosa necessidade da tolerância e convivência entre contrários, como nos últimos 25 anos.
A necessária convivência pacífica entre contrários

Clayton, hoje no O Povo (CE)


Cronos

Cronos
FERNANDA TORRES - Folha de São Paulo - 03/10/10
Rezo para que a antropofagia estéril das mágoas acumuladas não seja a grande vencedora em 2010
SE DILMA se eleger neste domingo, eu terei ao menos um grande alívio: o fim da preocupação de escrever essa coluna semanal.
Quando me foi feito o convite, a possibilidade de uma leiga como eu analisar a corrida eleitoral pelo seu lado teatral, o da política como fenômeno de comunicação, me seduziu a aceitar a proposta.
No meio do caminho, a disputa antes velada entre o poder e a imprensa se acirrou violentamente. Em um pronunciamento privado, José Dirceu nomeou seus principais desafetos: o Grupo Folha e as Organizações Globo.
Apesar de não ter contrato fixo com a TV Globo, eu, assim como centenas de atores que conheço, trabalho com frequência na maior produtora de conteúdo dramatúrgico do país. Não satisfeita, aceito participar do caderno Eleições 2010 da Folha de S.Paulo. Péssimos antecedentes.
Sempre que acontece uma polarização extrema, exige-se dos que estão envolvidos um posicionamento claro, partidário. Ou bem você ama a liberdade de expressão ou o povo. Ou você é Dilma, ou Serra. PT ou PSDB.
Lula sugeriu que os jornais explicitassem seu voto, em vez de mascararem o partido político pelo qual torcem com denúncias aparentemente isentas.
Ao longo dos últimos oito anos, aconteceram excessos de todos os lados, capas de revistas com pontapés na bunda do presidente e pronunciamentos de rancor público por parte das autoridades.
O economista Enéas de Souza, em um texto na rede, declarou que a imprensa se transformou na voz agonizante das oligarquias, em pânico diante da ameaça da verdadeira democracia opinativa das novas mídias de comunicação via internet.
O profético radicalismo apocalíptico do dilúvio tecnológico de Enéas, que virá abalar a atual concentração de poder e reinventar um mundo melhor, me incomoda tanto quanto os exageros difamatórios e o protecionismo de mercado das grandes corporações de comunicação.
Mais uma vez, reafirmo minha frágil posição de ovo sobre um muro estreito. Detesto extremismos e me preocupa o reflexo deste ódio mútuo nos setores menores da sociedade.
Em uma reunião entre a classe teatral e a secretária de Cultura do Rio, o diretor de um grupo teatral tomou o microfone para dizer que a dificuldade de sobrevivência, a falta de recursos e conexão com as plateias, ou seja, toda a crise do setor seria culpa dos atores, nas palavras dele, GLOBAIS, que além de fazer um teatro comercial, visam o lucro, viciando plateias com produções digestivas e destruindo a possibilidade de sua trupe, essa sim, séria, pura e competente, de existir como criadora.
Me deu vontade de mandá-lo assistir Marco Nanini em Pterodátilos para saber que ofensa há na existência de um trabalho extraordinário como aquele, que recebeu um redondo não de todos os possíveis patrocinadores, e que luta para existir tanto quanto qualquer mortal.
Rezo para que a antropofagia estéril das mágoas acumuladas não seja a grande vencedora em 2010.
FERNANDA TORRES é atriz

Que, bem ou mal, falem as urnas

Que, bem ou mal, falem as urnas
EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO - 03/10/10
Nesta manhã, ao se abrirem as seções eleitorais para mais uma festa da democracia, estará se encerrando mais um episódio memorável da série do "nunca antes na história deste país": dois mandatos presidenciais sucessivos obstinada e precipuamente focados no projeto político de manter no poder Lula e associados. Com grande habilidade e total desembaraço na manipulação do varejo político, com um carisma capaz de seduzir até os que se julgam mais esclarecidos e ainda com o respaldo de um trabalho bem-feito na aceleração do desenvolvimento econômico e na incorporação de milhões de brasileiros ao mercado de consumo, Lula jamais perdeu de vista o projeto de poder a serviço do qual colocou tudo e todos, inclusive e principalmente as ações de governo. Menos mal que a perseguição desse objetivo transite, pelo menos por enquanto, pela via eleitoral, embora não necessariamente por convicção democrática, mas pela verificação de que, até onde a vista alcança, não existem condições objetivas mínimas para nova aventura escancaradamente autocrática no Brasil.
Quando se têm olhos para enxergar, os fatos demonstram claramente que Lula e o PT não têm projeto de governo, apenas de poder. Foi a opção que assumiram quando se cansaram de ser derrotados nas urnas. Passaram então a fazer tudo, o que quer que seja, passando por cima, se necessário, dos valores éticos que até então defendiam, e até mesmo sobre as instituições da República, para garantir vitórias nas urnas. Primeiro, houve a guinada radical nas principais proposições programáticas do PT com a Carta aos brasileiros, em 2002. Depois, a manipulação da opinião pública, especialmente dos segmentos menos instruídos e por essa razão mais vulneráveis à demagogia, com a massificação de inverdades como a de que o governo Fernando Henrique legou ao País uma "herança maldita". A partir daí, aprendida a lição, Lula e seu partido passaram a defender e praticar, sem constrangimentos, exatamente o contrário do que originalmente pregavam. Se antes, na oposição, o Plano Real tinha que ser combatido, agora, para manter o poder, é bom continuar aplicando seus princípios (sem admitir isso publicamente, é claro); se antes, na oposição, as oligarquias políticas do Norte e Nordeste eram duramente condenadas, agora, para manter o poder, é melhor a elas se associarem; se antes, na oposição, qualquer deslize dos administradores públicos era implacavelmente denunciado, agora, para manter o poder, melhor fingir que isso não é nada, coisa pouca, meros desvios.
É impressionante, aliás, a mudança de atitude do inspirador e principal operador desse projeto de poder. Lula, que antes de chegar ao Palácio do Planalto tinha ataques de virtuosa indignação diante de atos de corrupção no governo, uma vez no poder varreu para debaixo do tapete os "erros" cometidos por seus aliados e colaboradores, frequentemente sob suas barbas, quando não lhes passou a mão na cabeça. Não há registro no noticiário, durante toda a era Lula, de uma vez sequer que o presidente tenha vindo a público para condenar explicitamente a corrupção no seu governo ou em sua base partidária - e não foi por falta de escândalos. O máximo a que se permitiu foi a tentativa de desqualificar acusados com o debochado apodo de "aloprados". Toda sua teatral indignação, todo o ímpeto de sua revolta, Lula reservou para atacar quem, por dever de ofício, tem denunciado a falência ética de seu governo: a imprensa.
De qualquer modo, o projeto de poder de Lula chega hoje a um ponto decisivo. O chefe do PT colherá os frutos do que plantou, por um lado, com seus acertos e, por outro, com a extraordinária esperteza que revelou para se manter imune aos efeitos negativos de qualquer tipo de desacerto, especialmente aqueles provocados pela concupiscência da companheirada. Blindado pela imagem do trabalhador de origem humilde que não se intimidou diante da perfídia das elites e logrou o feito histórico de "colocar o povo no poder", descansa agora o presidente na expectativa de sua maior recompensa. O que virá as urnas o dirão. Há que respeitá-las. Mesmo que o maior efeito dessa festa democrática venha a ser uma enorme ressaca para a consciência cívica do Brasil.

Roda Viva - Chico Buarque e MPB4

Gersus, para Charge Online


Weslian Roriz: A mulher laranja

Weslian Roriz: A mulher laranja
Os adversários foram pegos de surpresa por sua candidatura ao governo do Distrito Federal, no lugar do marido. Ela também
Isabel Clemente – Revista ÉPOCA
FICHA EM BRANCO Weslian no debate na semana passada. Ela não sabia responder, mas manteve a pose
Brasília foi criada para apontar um novo rumo político para o Brasil – e ninguém pode reclamar da falta de inovações que a cidade é capaz de gerar. Infelizmente, não são o tipo de inovação que se esperava. Tome, por exemplo, a candidatura de Weslian Roriz. Na semana passada, a dona de casa de 67 anos estreou como candidata ao governo do Distrito Federal pelo PSC em um debate promovido pela TV Globo. Visivelmente despreparada, Weslian teve de ler respostas e chegou a dizer, numa gafe, que queria “defender toda aquela corrupção”. Weslian se tornou um hit em vídeos no YouTube e campeã de comentários no Twitter.
Weslian virou candidata um dia antes do debate. Ela é casada há 50 anos com Joaquim Domingos Roriz, quatro vezes governador do DF. Ameaçado pela Lei Ficha Limpa por ter renunciado ao Senado, em 2007, para escapar da cassação num processo por corrupção, Roriz lançou Weslian. Apostou que transferiria para ela os votos de seu fiel eleitorado, cultivado durante anos com a distribuição gratuita de lotes em áreas no Distrito Federal.
Não poderia haver alguém mais confiável para Roriz. De acordo com a biografia de Weslian, publicada assim que se tornou candidata, os dois se conheceram no casamento de uma prima de Roriz, quando tinham 23 anos (ele) e 17 (ela). Goianiense, Weslian havia acabado de se mudar com a família para Luziânia. Seu pai, criador de gado, foi o responsável por fazer o jardim do Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República. Roriz e Weslian se casaram menos de um ano depois de se conhecerem, em 1960, e tiveram três filhas: Wesliane, Liliane e Jaqueline.
No debate, era possível notar que os adversários de Roriz foram pegos de surpresa. Preparados para enfrentá-lo duramente, Agnelo Queiroz (PT), Toninho (PSOL) e Eduardo Brandão (PV) não tiveram coragem de fazer o mesmo com Weslian. Empertigada, com voz trêmula e gaguejando, Weslian teve de enfrentar a si própria.
“Eu quero defender toda aquela corrupção”
WESLIAN RORIZ, candidata ao governo do Distrito Federal
“É violenta a forma como a família expôs essa mulher”, diz a cientista política Flávia Biroli, professora da Universidade de Brasília (UnB). “É desconcertante ter uma candidata incapaz de sustentar posições sobre qualquer tema.”
Os adversários não a pouparam por delicadeza. Ficaram com medo de que ela chorasse diante de perguntas duras e que a vitimização lhe rendesse votos. Foram tão cautelosos que quase se desculpavam por ter de questioná-la sobre corrupção. Nos bastidores do debate, reinava o constrangimento. O principal sentimento era de vergonha alheia. “Não dava nem para comemorar um gol em cima dela”, disse o assessor de um dos candidatos. “A performance dela foi triste, lamentável”, afirma o cientista político David Fleischer. “Virou a mulher laranja.”
Assessores de Roriz avaliaram que, para alguém tão inexperiente, Weslian não se saiu tão mal. Sobretudo porque abordou de supetão Agnelo Queiroz sobre um tema que vem dando dor de cabeça ao PT: o aborto. Católica praticante, Weslian perguntou se Agnelo era a favor do aborto – e fez isso quando deveria ter respondido a uma pergunta sobre transporte público. Surpreso, Agnelo só respondeu no bloco seguinte. Afirmou ser contra o aborto. Em outro momento, Weslian deveria fazer uma pergunta sobre gestão pública a Toninho (PSOL). Procurou a pergunta em meio a seus papéis, separados por marcadores coloridos. Quando achou que tinha a folha certa, fez a pergunta... sobre emprego.
BODAS DE OURO
Weslian e Roriz em campanha. Os dois são casados há 50 anos. Mas ela é novata em política
Weslian não é a primeira mulher usada pelo marido em disputas eleitorais. Para ficar apenas num exemplo recente, na Argentina, o presidente Néstor Kirchner lançou a candidatura da mulher, Cristina, para suceder-lhe – mas ela em pouco tempo provou que não é títere do marido. Com Weslian, Roriz corre pouco risco. Por isso procuradores do Ministério Público Eleitoral temem a proliferação de “laranjas eleitorais”.
Até a semana passada, Weslian só era conhecida pelos trabalhos sociais nos governos do marido. Um dos programas de maior visibilidade com que se envolveu foi o treinamento de cães-guia para cegos. Em 2005, um labrador treinado em Brasília foi usado na novela América, da TV Globo, para guiar o ator Marcos Frota, que fazia o papel de um cego. De certa forma, com sua candidatura, Weslian – e, por trás dela, Roriz – está agora apostando em outro tipo de cegueira.

‘País corre, sim, o risco de cair no autoritarismo', diz Boris Fausto

 ‘País corre, sim, o risco de cair no autoritarismo', diz Boris Fausto
Gabriel Manzano - O ESTADO DE S. PAULO
Historiador avalia que, com eventual vitória de Dilma, grupos do PT vão lutar para criar um Estado autoritário, mas vê sociedade em condições de conter ataque à democracia
Boris Fausto
Eleição é sempre uma boa coisa, mas o historiador Boris Fausto, veterano estudioso da política brasileira, acha que a de hoje chega marcada pelo desencanto. Com um eleitorado em sua maioria despolitizado, que nada espera dos políticos. Debates que não esclarecem nem ajudam o cidadão a fazer escolhas. Propagandas que provocam enfado. E além de tudo, o historiador e cientista político da USP vê na candidata Dilma Rousseff (PT), grande favorita a vencer neste primeiro turno, "um nome que não se afirma sozinho", pois "saiu do bolso do colete do presidente da República".
Se ela vencer, diz o professor, os precedentes mostram que "o País corre, sim, o risco de cair no autoritarismo". Mas a sociedade "chegou a um ponto de alta complexidade e tem condições de enfrentar e conter esses avanços". E a oposição? "Tem de avaliar os erros e recomeçar a assentar tijolos."
Como o sr. vê o País, às vésperas da sexta eleição presidencial seguida?Uma eleição a mais é sempre algo positivo, mas dá pra perceber, por todo lado, uma certa frieza. Mesmo um partido como o PT não entusiasmou a militância como em outros tempos. Acho que o que há é um desencanto mesmo.
A que se deve isso? A várias razões. Uma campanha carregada de promessas que despertam um certo enfado, já que a política não é vista como instrumento real de solução dos problemas. As propagandas no rádio e na TV viraram um enlatado, uma chave que qualquer um usa para dizer qualquer coisa. E, além disso, uma candidatura predominante, a da Dilma Rousseff, que saiu do bolso do colete do presidente Lula e que não se afirma sozinha. Do outro lado um adversário, o José Serra, que teve muitos problemas. Grande parte de seus votos é de gente que se habituou a votar na social-democracia ou que é contra o PT. A Marina até trouxe uma certa novidade, mas a estrutura de seu partido é frágil e sua proposta é para o longo prazo.
Percebe-se uma forte despolitização. Isso não foi construído? A despolitização é o dado predominante. Uma grande parte das pessoas não vive a vida de cidadão, apenas a de eleitor, que a cada quatro anos vai à seção eleitoral e vota. A forma de se debater não permite aprofundar os temas - educação, saneamento, segurança, as desigualdades. O candidato aparece, anuncia a criação de um órgão que vai coordenar e resolver tudo... e pronto. O debate fundamental, que não se vê, é o das instituições. Que instituições estamos criando? Estamos desmontando as que temos? Pois o Lula torna tudo um ato entre pessoas, eu e você, ele é o pai, a Dilma vai ser a mãe. Nunca um convívio entre governo e cidadãos.
Os adversários de Dilma dizem que ela, se vitoriosa, dará espaço a fórmulas autoritárias. Se puder contar com maioria na Câmara e no Senado, poderá também alterar a Constituição, introduzindo formas de democracia direta. O sr. partilha dessa visão? Acho, sim, que existe uma tendência autoritária em marcha. O que é grave, porque idêntico processo está em marcha no Equador, na Bolívia, na Venezuela. Não é segredo que o PT tem dentro dele um setor ponderável que pratica uma "dialética" amigo-inimigo. Quando falam em "controle social" dos jornais, o que não dizem é: "o controle social somos nós".
No que isso vai dar? Apesar dessas investidas, acho que a sociedade brasileira já chegou a um ponto de alta complexidade, tem uma opinião pública amadurecida, que saberá conter esses avanços.

Que papel pode ter o PMDB nesse processo? O PMDB vai é brigar por cargos. A Dilma, se eleita, precisará ter muita habilidade para se compor. Lembro que o Lula, há oito anos, tinha um cacife enorme para montar suas alianças. A Dilma não tem, ela carece de legitimidade para grandes avanços. E, se ela vencer no primeiro turno, já estou ouvindo petistas perguntando: "Como carece de legitimidade?" Não falo de legitimidade legal, mas de legitimidade política. Porque ela não tem luz própria, não tem carreira na política. E, a julgar pelo caso Erenice Guerra, chegaria ao Planalto com a marca de quem não sabe escolher auxiliares.
Há diferentes visões do Estado em jogo. A linha Dilma é por um Estado forte na economia e na política. Serra não rejeita um Estado forte, mas ele dá ênfase aos controles e ao papel regulador, com espaço para o empresariado e para a sociedade.
Acho que Dilma, se eleita, vai acentuar esse seu modelo. Ele inclui coisas que já se desenham no momento, como as alianças com grandes corporações públicas e privadas, para tocar grandes projetos. E tudo vem misturado com uma alteração no modelo inicial do governo Lula, que simplesmente continuava o modelo de FHC. Nessa inflexão, o poder federal derivou para aumento de gastos públicos e para relaxar a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Getúlio Vargas impôs um Estado forte, no passado. Haveria uma retomada desse modelo? Qual seria hoje o tamanho adequado do Estado brasileiro? Recorro à máxima latina, "in medio virtus", a virtude está no meio. O Estado não é só imprescindível: em alguns setores ele é insubstituível. Como fazer política energética, ou cuidar da segurança sem ele? Também não sou contra o papel indutor do Estado na economia, por exemplo no pré-sal. O problema é quererem cuidar de tudo, não deixar espaço para a sociedade atuar e decidir, misturar governo e partido, invadir direitos dos cidadãos, ignorar a Constituição.
Se derrotada, o que pode fazer a oposição? Seja qual for o resultado hoje, ela tem de avaliar os seus erros. Eles começaram lá atrás, quando o papel do Fernando Henrique foi aviltado e eles deixaram. Também não reagiram aos ataques à privatização. Perderam o discurso e a grandeza.
Que estratégia deviam seguir? As oposições estão no ponto de assentar tijolo, parar para pensar. Elas podem até sofrer derrotas eleitorais, mas precisam preservar o seu papel, o seu espaço. Podem aprender com o PT, que viveu isso. Seria importante que a oposição caísse de pé, mas acho que não é o que está acontecendo. O mesmo acontece na Argentina, onde o casal Kirchner consegue se manter no poder porque as oposições estão fragmentadas, em pedacinhos.

Skoob

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