domingo, outubro 17, 2010

Novo fôlego

Novo fôlego
RENATA LO PRETE - FOLHA DE SÃO PAULO - 17/10/10
O quadro de estabilidade detectado pelo mais recente Datafolha sobre a disputa pelo Planalto tende a aliviar as críticas internas ao comando da campanha de Dilma Rousseff, que desde a passagem para o segundo turno foi obrigado a acatar, sem direito a recurso, as mudanças recomendadas por Lula e por aliados recrutados pelo presidente para reforçar o time.
Ao mesmo tempo, os números da pesquisa reforçam a posição dos que defenderam a mudança de tom da candidata e de sua propaganda. Tudo indica que a Dilma mais ‘assertiva’ veio para ficar.
Veja bem - De Lula, relativizando, em conversa com o marqueteiro João Santana, os resultados de pesquisas qualitativas internas: ‘João, os grupos não dizem tudo’.
Extremos - Dilma treinou especialmente para melhorar a performance na abertura e no encerramento do debate Folha/Rede TV!. As considerações finais da candidata ainda são consideradas insatisfatórias. E, na primeira intervenção, ela está devendo uma atitude ‘mais simpática’, cobram petistas.
Ironia... - No início da campanha, petistas fizeram de tudo para se aproximar, com a ajuda de neoaliados como Gabriel Chalita (PSB-SP), da Canção Nova, de olho no potencial midiático dessa comunidade católica.
...do - destino Entretanto, são da Canção Nova alguns dos padres mais inflamados na pregação contra o voto em Dilma. Há quem anuncie greve de fome pela derrota da petista.
Abafa o caso - A cúpula do PMDB fez de tudo para evitar que o ex-governador Newton Cardoso sentasse à mesa principal da entrevista coletiva que se seguiu à reunião do partido na sexta, em Belo Horizonte, na qual foram definidas providências pró-Dilma em Minas.
Vacina - A campanha de José Serra (PSDB) pretende repetir eventos setorizados como o de sexta-feira, voltado à educação. O próximo será com profissionais da saúde. O objetivo é neutralizar as críticas de Dilma aos programas implantados pelo tucano no governo paulista.
Caserna - Com o slogan ‘Petista bom é petista sem mandato’, o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) anunciou apoio a Serra, contrariando a posição nacional de seu partido. Reeleito para o sexto mandato com 120 mil votos, ele diz ter comunicado a decisão ao tucano e minimiza retaliações. ‘Podem me pressionar, mas não vou contrariar meus princípios.’
DNA - Recordista de votos em SP, Bruno Covas, neto de Mário Covas, desponta como favorito para presidir a Assembleia em 2011. Embora o PT tenha eleito a maior bancada, com 24 deputados, a maioria governista não abdicará do comando da Casa.
Toga justa 1 - A campanha para escolher, em novembro, o sucessor de Mozart Valadares na Associação dos Magistrados Brasileiros reproduz o clima eleitoral do país. Nelson Calandra (SP), da oposição, rejeitou a votação pela internet por temer um ‘processo viciado’ e acusou a AMB de fornecer lista incompleta dos sócios.
Toga justa 2 - Em nota, a AMB, que apoia a candidatura do juiz Gervásio Santos (MA), considerou o ataque ‘injusto e leviano’. E repudiou a acusação da oposição, para a qual a entidade que pregou a Ficha Limpa para os políticos quer agora ‘sujar’ a eleição dos juízes.

Tiroteio
Depois de Dilma de Calcutá, faltam Erenice de Jericó e Israel de Jerusalém. Aí sim a trindade estará completa.
DO DEPUTADO ESTADUAL CELSO GIGLIO (PSDB-SP), comentando o paralelo, estabelecido na propaganda de TV, entre a candidata petista e Madre Teresa.
Contraponto
Último a saber
Para ilustrar sua convicção de que Serra pode conquistar apoios no Nordeste, onde perdeu de goleada para Dilma no primeiro turno, o deputado Jutahy Jr. (PSDB-BA), um dos políticos mais próximos do tucano, recorre a uma história ocorrida durante eleição no município baiano de Queimadas. Iniciada a apuração, um vereador percebeu que seu candidato a prefeito seria derrotado. Caminhou até ele e disse, indignado:
- Você me garantiu que ganharia!
Em seguida, sentindo-se liberado do compromisso, anunciou apoio ao iminente vencedor.

Paixão, em Gazeta do Povo


As duas caras de Dilma e de Serra

As duas caras de Dilma e de Serra
Enquanto na televisão os programas eleitorais prezam por uma produção mais sóbria, no rádio o tom é muito mais agressivo. Integrantes da campanha alegam que a disparidade é questão de linguagem
Igor Silveira – Correio Braziliense
 Um candidato, dois programas eleitorais gratuitos totalmente diferentes. Na televisão, semblantes tranquilos, sorrisos dirigidos pelos marqueteiros e depoimentos de aliados e militantes exaltando as qualidades daquele que almeja o cargo. Enquanto isso, no rádio, os ataques são mais veementes, os adjetivos são extremamente coloquiais e as tentativas de desqualificar os adversários aparecem de maneira constante. As formatações desiguais, no entanto, não são resultado apenas da linguagem e do tipo de cada um desses meios: o conteúdo apresentado destoa muito, especialmente no quesito agressividade, fazendo lembrar os boatos espalhados por meio de virais na internet.
Tomando como exemplo as peças publicitárias dos presidenciáveis do PT, Dilma Rousseff, e do PSDB, José Serra, as disparidades ficam ainda mais claras. Na propaganda do tucano, divulgada na última quarta-feira, uma narradora contava a tentativa malsucedida da petista como empreendedora em uma loja que comercializava produtos a R$ 1,99. Em seguida, a mesma mulher questionava a capacidade da ex-ministra de administrar o Brasil usando a experiência ruim no comércio. No mesmo dia, ainda no horário de Serra, durante conversa numa oficina mecânica fictícia, um amigo pergunta para o outro em qual “das duas Dilmas” ele votou: na que fala uma coisa de manhã ou na que tem outra opinião à tarde.
A criação dos programas de Dilma também beira a hostilidade. Na sexta-feira, para responder a afirmações de Serra, a propaganda do PT subiu o tom. “Eles não param, continuam com esse método sujo de repetição de mentiras”, diz um locutor. “Eles faltam com a verdade e sem a mínima vergonha”, completa outro. Um dos jingles de Dilma Rousseff faz uma paródia de uma música de José Serra cujo refrão é “Serra é do bem”. A versão da petista proclama: “Serra é do bem... Do bem rico, do bem ganancioso, do bem desempregado”. Outros jingles apresentam frases como “esse tal de Serra não trabalha legal, só dá pedágio e porrada em professor” e “Zé promessa, Zé conversa (…) quando estava no governo não fez nada pro povão”.
A “criatividade” dos marqueteiros tucanos está à altura da apresentada nos horários de Dilma. Um dos mais populares traz uma letra sobre uma batida empolgante produzida a partir de um pandeiro que remete ao ex-ministro e deputado cassado José Dirceu. “Toc, toc, toc. Bate na madeira: Dilma e Zé Dirceu, nem de brincadeira”, versam os aliados ligados ao PSDB.
Popular?
Para os políticos dos dois partidos, as campanhas preparadas para o rádio estão dentro do esperado. De acordo com parlamentares que fazem parte das coordenações de campanha, o tom mais agressivo é “normal” e pode ser explicado pela diferença de linguagem dos meios e pela audiência desses programas. “Concordo que as críticas são mais agudas. É uma questão de linguagem entre os meios de comunicação. Cada mídia tem seu meio de se expressar e, no rádio, é desse jeito. As campanhas, normalmente, têm seus exageros e suas faltas, mas, na média, não acho que passe do ponto”, afirma o senador Sérgio Guerra (PSDB-PE).
O deputado André Vargas, secretário de comunicação do Partido dos Trabalhadores, considera a linguagem utilizada na corrida ao Palácio do Planalto normal. “É comum. Não é o melhor, mas é comum. No rádio não tem imagens. Agressão é ruim, mas a crítica política é razoável. É igual quando dizemos que a Dilma lutou contra a ditadura e o Serra fugiu. É uma linguagem popular, mas é um efeito de dois lados porque mostra uma visão preconceituosa também”, explica. “A audiência é mais popular no rádio”, emenda.
Desrespeito
A justificativa para o baixo nível das propagandas eleitorais gratuitas no rádio não é tão simples assim, segundo Emmanuel Publio Dias, especialista em marketing político da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “As propagandas de rádio são ruins ou, pelo menos, piores das que são apresentados na televisão. Os estrategistas colocam essas agressões no rádio porque a audiência, na verdade, é menor. Eles atendem ao lado da campanha que quer ver sangue, atendem à militância, que assiste a todos os programas”, pondera.
Dias classificou como um equívoco a explicação de que a audiência de rádio é mais popular. “É uma grande bobagem, além de ser um desrespeito à audiência. Achar que o público pode ser mais maltratado é ofensivo. Aliás, a baixa audiência pode ser explicada pela baixa qualidade dos programas”, diz. “A propaganda eleitoral já foi muito boa. Foi revolucionária quando foi criada, mas continua a mesma há 25 anos. Não houve avanço. Atualmente, é preciso mais integração com as novas mídias.”

Aborto e casamento gay Caetano Veloso – O Globo – Segundo Caderno

Aborto e casamento gay
Caetano Veloso – O Globo – Segundo Caderno
Por que Serra e Dilma têm que se agarrar aos aspectos mais primários da marola religiosa?
Será mesmo impensável um candidato que não superdramatize os tópicos aborto e casamento gay? Marina, notoriamente religiosa, não se embaraçou com as questões que abalam padres e pastores. Já Serra e Dilma querem parecer mais religiosos do que ela. Por que nenhum dos dois imaginou uma atitude decente? Agindo de modo sensato, um deles exporia o ridículo do outro. Não é preciso negar a religiosidade para isso. Toda uma parte dos eleitores (e da cabeça de todos os eleitores) mostrou-se atraída justamente pela honestidade de Marina, sua firme franqueza. Será que nenhum dos outros dois imaginou que poderia dirigir-se a esse espaço mental? Declaração de ateísmo não elege ninguém. Essa é uma regra aparentemente inabalável. Todos se lembram de Fernando Henrique dizendo-se materialista e perdendo para Jânio Quadros uma eleição ganha.
Mas esse mesmo descrente recebeu votações espetaculares para eleger-se e reeleger-se presidente da República. Há algo aí além da economia: há uma área no eleitorado (e em cada eleitor) que valoriza a veracidade da pessoa e a civilidade da figura pública. O Brasil se move. Ler os votos dados a Marina como representando temores pios é raso demais, é injusto com a lição de maturidade que os brasileiros acabam de dar.
Não apenas muitos dos que votaram em Marina não compartilham com ela convicções religiosas como muitos dos que o fazem são capazes de vislumbrar nos atos de um ateu as linhas tortas pelas quais Deus é famoso por escrever certo. A própria Marina diria, como disse a mística francesa Simone Weil, que muitos ateus estão mais perto de Deus do que certos crentes.
A mim mesmo, que muitas vezes gosto de me dizer ateu, me dizem algumas boas almas que eu creio em Deus sem o saber. Fico lisonjeado porque sei que é um modo de dizerem que gostam de mim.
Mas também fico um tanto irritado com a ligação automática de qualquer virtude a ideias religiosas, à existência de Deus e, finalmente, à Inquisição, aos apedrejamentos e às Cruzadas.
Marina disse, desde o início de sua campanha, que desejava reafirmar o Brasil que emergiu dos anos FH/Lula. Ela se pôs, antes de tudo, como progressista e moderna. É uma pobreza que os candidatos dos partidos que ela citou mostrem-se agora tão aquém de suas expectativas.
Ela deve manter neutralidade nesse segundo turno. Mas o que ela diz, sem fazer escolhas, é que qualquer dos dois pode brilhar, caso chegue à presidência. Basta que estejam mais próximos do histórico dos respectivos partidos do que da baboseira que a má leitura das pesquisas eleitorais inspira.
Fui fã do PT logo que ele foi fundado. Cheguei a usar uma estrelinha vermelha por umas semanas. Não que eu sequer cogitasse filiar-me ao partido.
Mas eu cria (e orgulho-me de ver que não estava errado) que ele significaria um avanço na nossa História política. Ferreira Gullar conta que teve de se opor aos seus companheiros comunistas porque estes achavam que Lula daria alegrias à CIA. Eu gostei de Lula justamente porque, apesar do sotaque marxista dos apoios acadêmicos, eu via que ele não representava o programa do PC soviético para o mundo.
Eu era brizolista. Por intuição e afeto. Lula vinha do operariado bem pago e organizado, efeito da criação da indústria automobilística por JK. Ia ser coisa nova, mas (ainda) não se conectava com a parte mais funda do país como Brizola podia.
Votei em Lula contra Collor.
Era sabido que Collor preferia ir para o segundo turno com Lula: como eu e muita gente, ele sentia que enfrentar Brizola era mexer num formigueiro gigante, enquanto Lula era um hype paulista. Todos os vícios da esquerda de sempre foram se unindo em torno do torneiro mecânico e eu fiquei frio.
Votei em Fernando Henrique.
Mas não me seria mais suportável imaginar o Brasil sem o PT. Fernando Henrique preparou o terreno para um Lula que eu temi que nunca surgisse.
O governo FH foi educação política que prefaciou a vinda desse Lula pragmático. Não falo apenas do tripé da economia.
FH foi também um exercício de respeito próprio por que passou o povo brasileiro.
Já contei que chorei ao votar em Lula em 2002. Havia muitos fatores para isso, mas o principal era saber que dávamos um passo de grande consequência. Se a chegada de Lula lá não tivesse sido precedida pela passagem de FH, ela não teria o significado que tem.
É o que Marina diz. É o que a votação que ela teve confirma.
Dói ver Dilma na foto ao lado de crentes que não creem que ela creia, nem sequer desejam que ela creia: apenas arrancam-lhe um compromisso de que não se fará casamento gay nem legalização do aborto. Tudo parte nobre do projeto do PT. Apesar do desespero eleitoral da militância, há muitos petistas rejeitando esses acordos prévios.
Dói ver Serra fingindo que é Chalita. Mas essa visão não provoca pena, como no caso de Dilma, e sim riso de escárnio.
O que Marina significa é a reafirmação dos avanços do PT e de FH. Mesmo o crescimento dos cultos pentecostais é parte dessa novidade.
Sejam reação à força laica que cresce desde o iluminismo, sejam forte prova das lacunas deste, esses cultos são parte de nosso zeitgeist. Alguém leu o texto do Bispo Macedo sobre os homossexuais na “Folha Universal”? Eu li. Fez muitos crentes protestarem contra a abertura ali exigida. Por que Serra e Dilma têm que se agarrar aos aspectos mais primários da marola religiosa? Ou ignoramos a tsunami que eles, sábios, veem?

Solda, para O Estado do Paraná


Consenso conservador cria falsa divergência entre Serra e Dilma

Consenso conservador cria falsa divergência entre Serra e Dilma
Eleições - Valéria Nader e Gabriel Brito – Blog Socialismo e Liberdade
Aqueles que esperavam se deparar com um digno debate político no primeiro turno, que pudesse ajudar na escolha de um candidato, acabaram bastante frustrados. Denuncismo hipócrita, promessas excessivas, citações de feitos passados, desfile de números e siglas invadiram o cotidiano dos eleitores, sem nada lhes dizer dos problemas reais do Brasil e de projeções efetivas para o futuro.
Entre os adversários à frente nas pesquisas, e que agora disputarão o segundo turno, nós cidadãos, vimos, de um lado, um candidato que não se arriscaria jamais a uma crítica cerrada ao presidente Lula, com medo de perder mais popularidade; de outro lado, uma candidata que não poderia levantar os temas cruciais da nação, temerosa de perder o apoio da burguesia.
A ausência de radicalização por parte de Serra e de Dilma perfaz um retrato cabal da despolitização a que assistimos, de forma a só cortejar as visões mais consensuais e conservadoras. O estilo comum aos dois candidatos consiste, ademais, em uma demonstração inequívoca da sua conformação ao modelo de sociedade neoliberal.
Para o sociólogo Francisco de Oliveira - na foto, nosso entrevistado especial, não é necessário ir longe e nem divagar pela questão religiosa ou ambiental para buscar as causas do crescimento de Marina no primeiro turno. Foi em meio à convergência entre Serra e Dilma que pôde surfar uma candidata, que, para Oliveira, não tem proposta alguma, prega um ambientalismo vago e genérico, não entra em bola dividida e sequer se pronuncia em assuntos cruciais.
O futuro, pelo menos o mais próximo, não se apresenta muito alvissareiro para o sociólogo. Dilma será a provável vitoriosa, os debates entre ela e o adversário devem prosseguir bastante rasteiros no segundo turno e a maioria parlamentar obtida no Congresso pelo bloco liderado pelo PT deverá reforçar o conservadorismo do partido, assim como a regressiva característica de uma agremiação que passou a se constituir em uma mistura entre o PRI (Partido Revolucionário Institucional, no México) e o peronismo.
Confira abaixo.
Correio da Cidadania: Como o senhor avalia os resultados das eleições presidenciais até o momento, que definiu o 2º turno entre Dilma Rousseff e José Serra? Por que Dilma não ganhou no primeiro turno, conforme muitos esperavam?
Francisco de Oliveira: Acho que está tudo dentro das margens de erro das próprias pesquisas. Não houve grande surpresa. A surpresa, de fato, foi a Marina Silva com quase 20%, que as pesquisas não detectavam e ninguém acreditava. Essa é a grande surpresa. Mas os resultados entre Serra e Dilma não são nada surpreendentes.
Correio da Cidadania: Há diversas teorias sobre o crescimento da candidatura Marina na reta final - um dos motivos apontados, inclusive, para a existência do segundo turno. Alguns crêem na força do eleitorado religioso e anti-aborto, tema usado grosseiramente para denegrir Dilma; outros desmistificam tal questão e dizem que Marina entrou no vácuo de uma classe média desorientada politicamente, mas que de alguma maneira se opõe à atual política. Enfim, como o senhor define essa 'onda verde'?
Francisco de Oliveira: Olha, o fenômeno Marina não é tão enigmático assim. Na verdade, ela cresceu porque a campanha dos outros dois principais candidatos não se radicalizou. Eles são, de fato, muito convergentes e, evidentemente, uma brecha no eleitorado foi bem aproveitada por Marina. Não creio que tenha sido voto religioso, ou em função de a candidata se declarar contra o aborto... Acredito que foi produto da não radicalização das outras duas campanhas.
Correio da Cidadania: A existência do 2º turno representa, a seu ver, algo positivo para o país nestas eleições?
Francisco de Oliveira: Acho que é positivo sempre, não só nessa eleição, como em todas. Não é bom para a democracia termos unanimidades burras, como dizia Nelson Rodrigues. É bom haver mais discussão, espaço, mais candidatos. Acho que lucramos. Esse segundo turno poderia servir pra aprofundar o debate. Não é certo que vá acontecer, mas existe a possibilidade.
Correio da Cidadania: Como o senhor enxergou o debate eleitoral realizado para o primeiro turno, no que se refere à priorização de temas e à profundidade com que foram tratados?
Francisco de Oliveira: Sempre muito pobre. O único que tinha algo a dizer era o Plínio, mas não tinha muito tempo. Foi tudo muito raso, de parte a parte. O Serra não tinha muito a prometer, pois, na verdade, tem muito pouca divergência com a Dilma, e vice-versa. Ambos são tidos como desenvolvimentistas, favoráveis a ritmos acelerados de crescimento. Serra conflitou-se com FHC quando era ministro do Planejamento em questões monetárias, cambiais, mas com a Dilma há muita convergência. E é isso que leva à não radicalização de propostas.
A Dilma deve ter também suas divergências com Lula, a não ser que ela seja um fantoche mesmo, o que ainda não está provado. Que ela é uma invenção do Lula, é, mas pode não ser um fantoche. Porém, o fato é que existe muita convergência com o Serra. Em princípio, estamos em um ciclo virtuoso e não há muito a corrigir nos rumos do país, uma vez que a herança de Lula é bem vista. Aumenta um pouquinho o Bolsa-família e por aí vai, de modo que o debate seria morno mesmo.
E foi essa convergência entre Serra e Dilma que, como mencionei, abriu o espaço para a Marina. Mas, se repararmos direito, ela não tem proposta alguma. Prega um ambientalismo vago, genérico, não entra em bola dividida, como se diz em futebol. Em nenhum assunto crucial ela sequer se pronuncia, de modo que foi uma ascensão muito específica, conjuntural, e não avaliza nenhuma promessa futura.
Correio da Cidadania: Como avalia a atuação da esquerda socialista nesta eleição, representada essencialmente pelo PSOL, PCB, PSTU e PCO?
Francisco de Oliveira: A esquerda teria muitos motivos para criticar o sistema e a forma como vem funcionando no país, mas não tinha tempo e nem recursos, e hoje eleição é isso. Foi muito complicado o desempenho. O Plínio ainda conseguiu ser convidado para os debates principais, os demais nem sequer foram convidados. Mas, de toda forma, a grande imprensa ignorou a todos.
Por conta disso, não dá pra dizer que os resultados foram decepcionantes, porque uma coisa que não é exposta, proposta, não chega ao grande público, não pode mesmo se transformar em voto. A Marina teve condições maiores de exposição devido à entrada do dono da Natura, que lhe deu recursos e, ao que parece, tomou gosto pela política, ao menos de acordo com declarações nos jornais. Assim, ela pôde fazer campanha. E a imprensa também se interessou muito por ela, por ser uma espécie de ser exótico, que estava ali no meio com uma história pessoal muito dignificante, uma pessoa pobre que nasceu em seringais, disputando a presidência, muito parecida com o Lula.
Portanto, todos esses fatores criaram muito interesse sobre ela. Até porque o ambientalismo dela é genérico e não contesta o todo, o sistema. Quanto ao seu partido, o Partido Verde, só tem alguma expressão na Alemanha, em nenhum outro país tem expressão política ou eleitoral. De modo que no Brasil não há nada muito promissor. Creio que sua ascensão foi bastante conjuntural devido às características dessa eleição.
Correio da Cidadania: O senhor discorda, portanto, de várias análises que vêm circulando, e que ressaltam a expressiva votação obtida por Marina como um capital para que a candidata se confirme como força política de peso no país, carregando a bandeira da Terceira Via e do Ambientalismo?
Francisco de Oliveira: Não acho que seja um capital que vá render muitos juros... Como disse, só na Alemanha existe Partido Verde com certo peso; em outros países, os verdes nem existem. E não vejo no Brasil tal perspectiva. Seria muito surpreendente que os brasileiros se transformassem em ambientalistas militantes. Isso é mais coisa de religião que de cultura política. Não acredito que Marina tenha se constituído num capital que vá ter desdobramentos adiante e abrir uma via alternativa.
Correio da Cidadania: Qual a sua opinião quanto aos resultados eleitorais no que se refere ao Parlamento, com o avanço do PT e sua base aliada nas duas casas, ao lado da regressão de partidos como PSDB e DEM?
Francisco de Oliveira: É a velha história. PSDB e DEM estão na verdade como defuntos, foram arrastados para o buraco; o PT e o PMDB nadam, por sua vez, de braçada, com muito dinheiro, como se foi sabendo aos poucos; e o PMDB permanece com sua eterna característica de ser um partido muito regionalizado, sem uma liderança nacional (o Temer não será tal liderança), e muito fraturado em todos os lados. Mas essas características também concedem ao PMDB uma capilaridade importante para eleger muitos deputados. Nada excepcional, já que, se não houver nenhuma trombada histórica, o PMDB sempre terá tais resultados.
Enquanto isso, o PT também nada de braçada, com muito dinheiro, todo mundo querendo agradar ao rei, sem nenhuma dificuldade, além de carregar uma campanha muito vitoriosa, com um resultado positivo em votos proporcionais. Não acredito que essa bancada poderosa constituída por PT e PMDB vá resultar em diferença política. Vão se comportar como já estão: de maneira fisiológica e muito conservadora.
Correio da Cidadania: Caso Dilma vença as eleições, governar com esta maioria não levará a um predomínio ainda maior do Executivo na política nacional, na medida em que poderá crescer a sua ingerência sobre o Legislativo?
Francisco de Oliveira: Essa ingerência já ocorre em elevado grau. Mais do que com Lula, não dá nem pra imaginar. Para o povão, não tem nenhuma importância. O povo vai no velho ditado de que todo político é ladrão, não tem apreço por essa discussão. O Legislativo é uma instituição que existe desde o Império e que nunca se firmou para nada. Sempre fazia a vontade do rei no Império.
Não se criou, portanto, uma cultura política nacional que desse destaque e importância ao Legislativo. Situação que permanece, com os parlamentares como espécies de reis civis. E com a tendência crescente de maior importância da economia sobre a política, leva-se o Executivo a dar de braço e cutelo sobre o Legislativo.
O Legislativo não tem autorização e nem poder pra criar despesas, onde já se viu isso? Trata-se de algo que ficou da ditadura e não foi reformado pela nova Constituição. Não há nenhum ato ou lei que saia do Legislativo que implique em despesas que o Executivo seja obrigado a obedecer.
Portanto, mesmo com muita desinformação, caciquismo, de alguma maneira o povo sabe disso: que, para arranjar um empreguinho, um deputado ou senador podem ser eficientes; mas, para algo mais, sabe também que o Legislativo não funciona.
Correio da Cidadania: De todo modo, o governo Lula freou diversas pautas progressistas e reformistas, alegando não haver uma correlação de forças favorável para levar adiante as mudanças, o que acabou tornando célebre o discurso da governabilidade. Acredita que, com maioria no Congresso, haveria alguma chance de serem levadas adiante questões mais polêmicas e combatidas por uma elite ainda muito conservadora, como o aborto, a reforma agrária e a afirmação de direitos de minorias, entre outras?
Francisco de Oliveira: Não, vai ser pior. Essa maioria vai tornar o PT mais conservador do que já é. É um equívoco pensar que assim o PT se liberta de algumas amarras e pode retomar um papel transformador. É o contrário, essa maioria vai dar liberdade para que seja mais explícito em seu fisiologismo e conservadorismo. Não tenho a menor esperança.
Correio da Cidadania: Ainda na hipótese de vitória de Dilma, fala-se muito a respeito da mexicanização de nossa política, em alusão ao longo período em que o PRI - o Partido Revolucionário Institucional - permaneceu no poder no México. O que pensa disso?
Francisco de Oliveira: Acho que o PT já é uma mistura entre o PRI e o peronismo. O lado PRI é o de apropriar-se e usurpar os cargos do Estado, manipular e cevar-se nos fundos públicos. O lado peronista, decadente na Argentina, é o lado propriamente político, uma vez que o peronismo fincou raízes realmente populares e com isso manobrou o tempo todo. O PT tem a mesma raiz popular, mas esse lado sugere uma peronização do PT, ou seja, a inclinação pela cultura do favor, do clientelismo, da corrupção, uma mistura muito estranha, desagradável e politicamente regressiva.
Correio da Cidadania: Findo o primeiro turno, já começaram as especulações sobre as estratégias dos candidatos para o segundo turno, onde a candidata petista já deu claras demonstrações de recuo em alguns temas polêmicos, como, por exemplo, na questão do aborto. Como acha que vão caminhar os debates eleitorais do segundo turno?
Francisco de Oliveira: Vão continuar mornos. Eles vão tentar apenas encontrar motivos de perturbação para o adversário, mas nada de debater os grandes temas nacionais. Nem a Dilma e nem o Serra, a nenhum deles interessa esse debate. O Serra não pode fazer uma crítica cerrada ao Lula, com medo de perder mais popularidade; a Dilma não pode levantar temas importantes, com medo de perder o apoio do que resta da burguesia nacional e da grande burguesia internacional. Não acredito que saia algo interessante, portanto; creio que procurarão os flancos abertos dos adversários para tirar proveito eleitoral.
Correio da Cidadania: Vários setores de esquerda críticos ao governo Lula, e já há bastante tempo descrentes do chamado programa democrático popular, sentem-se em uma sinuca de bico neste segundo turno. Afinal, se o governo Lula não avançou em questões essenciais, como a reforma agrária, com Serra, nem mesmo o diálogo com os movimentos sociais tem sido possível. O que o senhor diria a estes setores neste momento?
Francisco de Oliveira: Eles têm absoluta razão nesse temor. Eu diria para que não esperem nenhuma facilidade de ambos os lados. Do lado tucano, porque estão ideologicamente comprometidos com tudo que é antipopular. Do lado lulista, não haverá abertura para os movimentos sociais a fim de se buscar uma nova estruturação do poder no Brasil.
A vitória do lulismo não é muito promissora, pois, no meu modo de ver, reforçará o estilo de governo que o Lula implantou nos últimos oito anos, a ser confirmado pela eleição de sua candidata, como se fosse a confirmação de que é disso que o povo gosta. Essa é a tese do André Singer, agora o principal intelectual a defender as posições do petismo e do governo Lula. Tudo seguro, sem conflito. Lembra um menino que dançava frevo em Recife e abria os bracinhos dizendo: "dá pra todo mundo, dá pra todo mundo". A mensagem do lulismo é assim, "tem pouquinho, mas dá pra todo mundo. Não precisa brigar, de conflito, porque dá pra todo mundo!".
Esse é o estilo de um governo muito conservador, mais do que se pensa e mais até do que os próprios tucanos supõem. É um governo muito privatista, mais até do que o do FHC. FHC privatizou as empresas; Lula, sobre essa tendência, empurrou o Brasil para o campo do capitalismo monopolista de Estado, no qual não há avanço e nunca se produziram bons resultados em política interna.
O André Singer andou utilizando muito o exemplo do Roosevelt, dizendo que o Lula é sua versão brasileira, esquecendo-se somente que o êxito da administração Roosevelt acabou com o movimento de trabalhadores dos EUA, levando à fusão das centrais sindicais que eram competidoras, e que viraram uma única confederação. E ironicamente, o maior país capitalista do mundo nunca teve condições de formar um partido de trabalhadores. Lá, os trabalhadores sempre foram a reboque do Partido Democrata. É disso que Singer esquece. Roosevelt foi um grande estadista, é verdade, impulsionador do capitalismo americano, mas acabou com o movimento dos trabalhadores norte-americanos. Se é isso que se deseja para o Brasil, então, tome-se lulismo.
A vitória da Dilma traria mais imobilismo. Ela terá muitos problemas, até porque a economia não vai surfar numa onda contínua de progressão como a existente nos oito anos de Lula, sobretudo no segundo mandato. As contradições crescem na medida em que o capitalismo se desenvolve. A tendência é subjugar e fraturar o movimento dos trabalhadores até ele ficar inerte politicamente, sem nenhuma expressão.
Correio da Cidadania: Nesse sentido do imobilismo a que foram conduzidos os movimentos sociais sob o governo Lula, o senhor comungaria, de alguma forma, com a ideia de que a vitória de uma candidatura escancaradamente conservadora como a de Serra seria mais benéfica para as lutas sociais e políticas a longo prazo, no sentido de chacoalhar movimentos paralisados e cooptados pelos anos Lula?
Francisco de Oliveira: Não sei. É uma pergunta interessante, mas difícil de responder, até porque a história pregressa dos tucanos é negativa a esse respeito. Pode haver diferenças pessoais entre Serra e Dilma, mas nada nos autoriza a pensar que uma vitória tucana abriria o campo das contradições e movimentaria mais o campo da luta política. Isto poderia ocorrer se o PT retomasse seu papel de transformação na história brasileira. Mas esse é um cenário tão ilusório quanto pensar que os tucanos possam ter esse impacto no movimento social.
Correio da Cidadania: Qual a importância e quais as chances de reconstituição de uma frente de esquerda de agora em diante?
Francisco de Oliveira: Ainda são poucas, porque, com o crescimento de algumas bancadas no Congresso, vai se deixar pouco espaço para a esquerda atuar. Nossa responsabilidade é tentar descobrir os novos motivos e questões que o povo possa ter e perceber na política.
Não vai haver descanso, folga alguma. A tendência é de se sufocar qualquer manifestação de insubordinação, de críticas. Mas a história caminha e surpresas são sempre bem vindas, além de muitas contradições que vão aparecer e reforçar o destino quase inarredável do Brasil de sua condição de país sub-imperialista.
Essa história de política progressista para a América Latina é uma farsa, pois dominamos o Paraguai, a Bolívia, não temos nenhuma política externa progressista, isso é uma mentira. E do ponto de vista interno, caminhamos para um capitalismo monopolista de Estado, implacável, de olho apenas nos grandes lucros. E vem aí o Pré-Sal, que pode ser um desastre, porque reforçaria estruturas capitalistas mais monopólicas no país... Não vejo nada de promissor.
Acho que a esquerda continuará com as mesmas divisões, uma frente de esquerda ainda não é visível, pelo menos no futuro imediato. Os partidos são todos pequenos e, primeiramente, têm de fazer um esforço extraordinário para sobreviver e ampliar um pouco sua penetração, porque o fogo de barragem sobre qualquer projeto crítico é enorme. E esse fogo de barragem não é só dos demais partidos, mas também da mídia. Que espaço os jornais deram para a discussão dos pequenos partidos? Já eram logo ridicularizados como nanicos, delirantes...
Os partidos pequenos da esquerda têm de fazer um esforço enorme para sobreviver, explorar todas as debilidades do sistema e fazer uma crítica que possa chegar ao povo.
Correio da Cidadania: Arriscaria fazer uma previsão para o segundo turno e, ademais, a projetar qual candidato faria melhor por nosso país?
Francisco de Oliveira: Acho que tudo indica que a Dilma ganha no segundo turno. Não acredito numa transferência maciça de votos da Marina para o Serra. Seus votos vão se dispersar entre ambos; portanto, o mais provável é que a Dilma se eleja presidente.
Mas não sei que governo ela fará, penso apenas na tentativa de continuar os governos do Lula, que na verdade será o personagem atrás do trono, que irá mantê-la com rédea curta. Até porque ela não tem muita experiência na política nacional, nem dentro do PT, e estará cercada de chacais por todos os lados.
Até mesmo pensando em seu futuro, se quiser retornar à presidência, Lula tem de proteger a Dilma, senão ela será estraçalhada na luta política miúda que agora vai se abrir no Estado. Quanto ao seu desempenho no governo, as linhas gerais indicam que ela só dará continuidade ao que o Lula implementou.
Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.
09-Out-2010
Fonte:  Correio da Cidadania

SALOMÃO DO REGGAE NO 15 º H2O - HAPPY HOUR OÁSIS II

Dia das Mães

Dia das Mães
ARTUR XEXÉO – O Globo - Revista
Hoje é Dia das Mães na Argentina. Não fico catando calendários pelo mundo, mas quis o destino que uma revista argentina caísse nas minhas mãos esta semana. E, em meio a notícias locais, descubro que hoje é “dia de las madres” no país vizinho. O noticiário se divide entre a chiquitita que morreu de anorexia, o costume de Cristina Kirchner de mandar recados políticos pelo Twitter e o hábito dos brasileiros de não deixarem gorjeta nos restaurantes (eles se fingem de distraídos, reclamam os donos dos estabelecimentos). Os anúncios, quase todos, lembram que 17 de outubro é o Dia das Mães. Não sei como eles chegaram à data. Hoje é o terceiro domingo de outubro, o que me faz acreditar que eles não celebram tal dia no segundo domingo do mês, como fazemos em maio. De qualquer forma, em qualquer lugar do mundo, o Dia das Mães é sempre domingo. Será que todo domingo do ano é Dia das Mães em algum país? Será que minha mãe não quer que, aos domingos, eu sempre me lembre dela? Minha mãe tinha características muito peculiares.
Ela estava sempre comprando um sítio, por exemplo. Mais tarde, geralmente motivada por dívidas de jogo — ela gostava de um carteado —, precisava vendê-lo. Mas, enquanto tinha o sítio, era, definitivamente, uma mulher do campo. Plantava, colhia, fazia artesanato com madeira e não gostava de críticas a seus espaços campestres.
— Mãe, tem muita aranha por aqui.
— Aranha é bom, meu filho. Ela come as moscas.
— Mãe, esses cachorros tão muito maleducados.
Tem cocô no gramado.
— Cocô de cachorro é bom, meu filho.
Afasta os mosquitos.
— Mas atraem as moscas.
— Ah, por isso tem tanta aranha por aqui. A natureza é sábia.
E, assim, nós, o resto da família, citadinos irrecuperáveis, íamos convivendo com aranhas, moscas, mosquitos e cocô de cachorro.
Sem reclamar.
Sempre teve, em alguma parede lá de casa, um quadrinho com os dizeres “O mundo todo não vale o meu lar”. Tenho certeza de que, na verdade, o lar organizado por minha mãe é que não valia para o mundo todo. Ela era baixinha e, por conta disso, as proporções lá de casa sempre foram diferentes das do resto do planeta. A pia do banheiro, por exemplo, que para ela estava instalada numa altura normal, batia um pouco acima do joelho do resto da família. Sempre tive vergonha quando amigos iam ao banheiro e saíam de lá com as calças molhadas. Mas ninguém tinha coragem de dizer para ela que a pia era muito baixa.
Fumava muito, o que não significava que houvesse muitos cinzeiros lá em casa. Os cigarros eram abandonados em pontas de mesa, braços de cadeiras, cabeceiras de camas... Com o tempo, as marcas de queimado espalhavam-se pela casa. Ela não dava o braço a torcer.
— É a marca do Zorro — brincava.
Sempre achei que ela deveria ser estudada pela Medicina. Tinha uma capacidade de calcificação inacreditável. Volta e meia quebrava um braço ou uma perna. Uma semana depois, estava usando agulhas de tricô para se coçar em locais que o gesso não permitia. Mais uma semana, começava a usar uma tesoura para diminuir o gesso e, pronto, em alguns minutos arrancava tudo. E não se falava mais nisso.
Você deve estar se perguntando por que cargas d’água estou falando de minha mãe. Sei lá. Hoje é Dia das Mães na Argentina. Pela lógica da minha mãe, não duvido nada de que ela esteja esperando uma homenagem.
Email: axexeo@oglobo.com.br

Skoob

BBC Brasil Atualidades

Visitantes

free counters