quinta-feira, outubro 28, 2010

Pelicano, para o Bom Dia (SP)


País da incerteza

País da incerteza
Miriam Leitão – O Globo
Começa agora o governo Cristina Kirchner.
 Esse é um dos vários inusitados da situação política do país vizinho. Faltando 13 meses para terminar o mandato, a presidente tem, enfim, chances de governar um país. O ex-presidente Néstor Kirchner nunca deixou de ser o governante, impunha seu estilo e vontade. Foi quem tirou a Argentina do fundo do poço.
Apesar dos problemas de saúde que Néstor Kirchner teve recentemente, os cenários políticos não consideravam a hipótese do futuro imediato sem ele.
Foi o que admitiu com espanto o analista do “Clarín” Eduardo Van der Kooy. Tanto na operação da carótida, quanto na angioplastia, os Kirchner não quiseram que a saúde do ex-presidente ocupasse espaço no debate político. Falar da doença atrapalharia os planos futuros do casal.
Ele era um dos candidatos à eleição do ano que vem e, mais do que isso, era o dono dos rumos do governo da mulher, do partido do governo, e da linha política que inaugurou: o kirchnerismo.
O futuro é uma incerteza só. A palavra em espanhol define melhor, aos nossos ouvidos tem um som mais pesado, como se fosse mistura de incerteza e drama: incertidumbre. Será Cristina capaz de superar o golpe emocional da morte daquele que foi seu marido por 35 anos? Terá forças para se impor a um Justicialismo dividido pelos últimos oito anos de comando de ferro de Néstor? Manterá o estilo de governar pelo confronto que o marido sempre manteve e que deixou sequelas nas relações dos produtores rurais, indústria, Igreja, Suprema Corte, Congresso e imprensa? Conseguirá Cristina Fernández superar a sina trágica das mulheres no poder argentino? Evita morreu, jovem e bela, antes que Juan Domingo Perón realizasse o sonho de fazê-la vice-presidente.
Isabelita, vice de Perón na década de 70, assumiu quando o marido morreu.
Aparvalhada, conduziu um governo fraco e corrupto e foi deposta pelos militares.
Cristina assumiu o poder cercada de esperanças de que fosse enfim um governo comandado por uma mulher. Era senadora, tinha tido uma carreira política prévia. Mesmo assim se deixou anular completamente.
Se em alguns momentos circularam rumores de que o casamento estava abalado, a parceria política sempre foi indissolúvel, como se os dois fossem um só. E agora? Néstor Kirchner ficará na História por ter tirado a Argentina de um momento trágico.
Em poucos dias, na passagem de 2001 para 2002, o país teve três presidentes.
Com o país mergulhado na pior crise da sua história, o presidente Fernando de la Rúa renunciou no meio de violentas manifestações de rua, em que os argentinos mostravam sua fúria pela perda de poder aquisitivo e a recessão no fim do regime do câmbio fixo. “Que se vayan todos!”, gritavam nas ruas os argentinos querendo se livrar de todos os políticos.
Adolfo Rodríguez assumiu interinamente, decretou moratória e renunciou em seguida. Eduardo Duhalde manteve a moratória, acabou com a paridade do peso e do dólar e preparou a nação para as eleições. O país estava 18% menor do que em 1998, e tinha 60% da população abaixo da linha da pobreza quando em 2003 ocorreram as eleições. O partido fundado por Perón teve três candidatos. A União Cívica Radical, de De La Rúa, desmoralizada, estava fora do jogo. Numa reportagem que fiz sobre o país na época, o que mais me impressionou foi uma mulher, que no meio da passeata, respondeu a uma pergunta minha sobre a razão da manifestação: “Não há futuro, não há futuro”, disse, aos gritos.
Nesse ambiente, Kirchner venceu e começou a organizar o país. Manteve o ministro Roberto Lavagna e começou o caminho da recuperação.
O país cresceu forte: 11,7% em 2003, 9% ao ano de 2004 a 2007. Reduziu o ritmo em 2008, no ano passado teve recessão e em 2010 deve crescer mais de 7%. O problema é que neste meio tempo, o casal K, como os argentinos o chamavam até ontem, fez uma intervenção no Indec, departamento de estatísticas, jogando dúvida sobre todos os indicadores econômicos.
A inflação subiu, mas o dado oficial está parado abaixo de 10%. Na verdade, os preços têm subido mais de 20% ao ano. Há projeções acima de 30%.
Néstor Kirchner ocupava um espaço tão grande na política argentina que os analistas do país tinham ontem dificuldades de ver que forças vão ser decisivas no futuro. Na pequena lista de presidenciáveis está por exemplo o governador de Buenos Aires, Daniel Scioli, do Partido Justicialista, e um dos possíveis candidatos, caso Cristina não queira ou não consiga ser candidata no ano que vem. A União Cívica Radical tem duas forças, o vice-presidente, Julio Cobos, inimigo de Cristina, e Ricardo Alfonsin.
O principal obstáculo de ambos é o fracasso do partido no poder. O empresário Maurício Macri organizou uma frente, a Proposta Republicana, cuja maior vitória foi a do próprio Macri para a prefeitura de Buenos Aires.
A Argentina volta a ficar, como definiu Van Der Kooy, “entre a tragédia e o drama.” A oposição perde o amálgama que a unia para enfrentar um adversário forte; os peronistas perdem sua força hegemônica; a presidente perde o marido e mentor; a Argentina perde o presidente que a resgatou da crise e a jogou em inúmeros conflitos internos. O cenário político tem hoje uma enorme interrogação.
Numa análise recente sobre as eleições do próximo ano, o cientista político argentino Rosendo Fraga concluiu profético: “Muita coisa pode mudar em um ano, porque nunca se deve esquecer que, em última instância, a política se constrói sobre o imprevisto.”

Estado palestino será criado em 2011, afirma primeiro-ministro

Estado palestino será criado em 2011, afirma primeiro-ministro
DA BBC BRASIL
O governo de Fayyad não controla a Faixa de Gaza
 O premiê palestino, Salam Fayyad, declarou nesta quinta-feira que o Estado Palestino será fundado em 2011 e que está preparando a infraestrutura para possibilitar sua criação.
"Agosto de 2011 será o prazo final da ocupação israelense" nos territórios palestinos e "no próximo verão [no hemisfério norte, inverno no hemisfério sul] os palestinos vão festejar o nascimento de seu Estado", disse Fayyad.
No entanto, analistas se dizem céticos sobre as promessas, a menos que sejam firmados acordos com Israel e com o grupo islâmico Hamas. O governo de Fayyad não tem controle algum sobre a faixa de Gaza, dominada pelo Hamas desde 2007 e onde moram 1,5 milhão de palestinos.
Fayyad, que assumiu o cargo de premiê em 2007, é um economista respeitado internacionalmente que trabalhou no Banco Mundial durante oito anos.
Desde que foi nomeado premiê pelo presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, Fayyad vem se dedicando a construir a infraestrutura de um futuro Estado Palestino, consolidando a economia, as instituições e as forças de segurança na Cisjordânia.
ISRAEL
O premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, já declarou que o país "não aceitará medidas unilaterais" por parte dos palestinos.
O ministro das Relações Exteriores, Avigdor Lieberman, instruiu nesta semana o departamento de planejamento do ministério a elaborar um estudo sobre a possibilidade de que os palestinos declarem um Estado de maneira unilateral e obtenham o apoio da ONU. "Temos que estar prontos para essa eventualidade", afirmou Lieberman.
Nas declarações desta quinta-feira, Fayyad também criticou Netanyahu e disse que "se o premiê israelense tem intenções sérias de fazer a paz, deve prender os colonos que envenenaram as oliveiras dos palestinos".
Fayyad se referiu a um incidente ocorrido nesta semana na Cisjordânia quando colonos do assentamento de Alon Moreh, nas proximidades da cidade de Nablus, contaminaram mais de 600 oliveiras da aldeia palestina de Dir Hatab com águas de esgoto.
Ele declarou também que Netanyahu "permite que os colonos façam atos de terrorismo contra os palestinos".
NEGOCIAÇÕES
Ainda nesta quinta-feira, o ministro das Relações Exteriores do Egito, Ahmed Aboul Gheit, e o ministro da Inteligência egípcio, Omar Suleiman, se reúnem em Ramallah com o presidente palestino, Mahmoud Abbas, para discutir a possibilidade de retomada das negociações diretas entre israelenses e palestinos.
Abbas suspendeu as negociações no dia 26 de setembro, quando o premiê Netanyahu se negou a prolongar o congelamento da construção dos assentamentos israelenses na Cisjordânia.
Netanyahu declarou que quer negociar "sem condições prévias", mas Abbas afirmou que não retomará as conversas "se os israelenses continuarem construindo os assentamentos". As obras nos assentamentos israelenses na Cisjordânia já foram retomadas.

Bicho-papão do mercado

Bicho-papão do mercado
ONU diz que instituições financeiras temem mais a perda de diversidade do que o terror
Para o mercado, os riscos financeiros decorrentes da perda de espécies e de ecossistemas são uma preocupação maior do que o terrorismo internacional, revelou um relatório do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (Pnuma). Ele foi apresentado ontem na 10ª Conferência das Partes da Convenção de Biodiversidade, em Nagoia, Japão. Perda de diversidade pode significar redução significativa dos estoques pesqueiros. Já a destruição de ecossistemas é traduzida, por exemplo, na degradação dos solos, desastrosa para a agricultura. Outros problemas destacados foram a escassez de água e a poluição.
O estudo é uma das derradeiras tentativas da ONU para pressionar governos a um acordo significativo. A conferência termina amanhã e corre o risco de se tornar um fracasso maior do que a última grande cúpula ambiental da ONU, a 15ª Conferência Internacional sobre Mudanças Climáticas (COP15), em dezembro passado, em Copenhague.
A próxima grande reunião ambiental, a COP-16, em Cancún, México, é vista sem esperança antes mesmo de começar, em 29 de novembro.
Dificuldade para estimar valores
O relatório estima que o declínio da biodiversidade pode ter um impacto de US$ 10 bilhões por ano para bancos, investidores e seguradoras. O diretorexecutivo do Pnuma, Achim Steiner, disse que o melhor exemplo de perdas do tipo foi o desastre ambiental no Golfo do México causado pelo vazamento de óleo de uma plataforma da British Petroleum. Não só a empresa perdeu, como também tiveram prejuízos seguradoras e outras petroleiras, afetadas pela suspensão temporária da prospecção de óleo no Golfo.
— Há uma nova percepção de risco e uma preocupação emergente em instituições financeiras. Trata-se de uma mudança na mentalidade do setor, que não diz respeito apenas às empresas diretamente dependentes de recursos naturais. O mercado começou a perceber a importância econômica da biodiversidade e dos ecossistemas para os negócios e sua credibilidade e reputação — afirmou Steiner.
O principal autor do relatório, Richard Burrett, disse que é necessário desenvolver uma nova forma de avaliação de risco, que leve o valor dos serviços ecológicos em conta.
— Florestas e água são consideradas “externalidades” que não entram nas contas. Só que agora não é mais possível desconsiderá-las, pois as perdas estão se avolumando — destacou Burrett.
Para o relatório, os especialistas a serviço da ONU analisaram dados de 3.000 das maiores corporações do mundo. Descobriram que em 2008 elas foram responsáveis por um custo ambiental de US$ 2,15 trilhões, o equivalente a 7% de seu faturamento bruto e cerca de um terço de seus lucros líquidos. O estudo destaca que a consciência do mercado sobre a importância da biodiversidade ainda está num estágio inicial, principalmente porque continua sendo muito difícil estimar valores para os serviços prestados pela natureza.

Newton Silva, para O Jangadeiro Online


Conversa vai, conversa vem

Conversa vai, conversa vem
Cora Rónai - O Globo – Segundo Caderno
-Você tem certeza mesmo de que não quer falar sobre a campanha? Você só tem essa semana, depois ela acaba, e aí adiós...
— Tenho. Absoluta. O que antes já estava ruim, agora ficou pior.
— Também não é assim. Toda campanha política tem pelo menos alguma coisa positiva.
O próprio fato de estar sendo realizada, por exemplo.
— Isso não é argumento! Não gosto nem de pensar na alternativa. O Brasil já ultrapassou esse estágio. Nós somos uma democracia, ou talvez seja o caso de dizer ainda somos uma democracia, apesar de todos os pesares. Uma das coisas que mais detesto nessa atual campanha é, justamente, a sua feição pouco democrática.
A presidência é um cargo sério, o presidente de um país é o presidente de todos os brasileiros, mesmo daqueles que não simpatizam com as suas ideias ou com a sua candidata.
Quando faz papel de cabo eleitoral ou de líder de gangue não se diminui apenas a si, diminui o cargo que ocupa e, consequentemente, diminui a todos nós.
— Tá, isso todo mundo já disse e já sabe.
— Não é verdade. Dá uma olhada no Twitter ou no Facebook. A quantidade de gente que acha normalíssimo o comportamento do presidente é de assustar. Também é de assustar a quantidade de gente que até ontem não tinha ideia de quem é a Dilma e que hoje a põe num pedestal, só porque foi ungida pelo “cara”.
— Pode ser que, com a propaganda política, tenham passado a conhecê-la melhor.
— Será mesmo? A propaganda política não faz a gente conhecer ninguém melhor. Pelo contrário, faz desconhecer até quem achava que conhecia. Você algum dia imaginou o Serra distribuindo aqueles santinhos dizendo que “Jesus é verdade”? — É, aquilo pegou muito mal.
— Pegou péssimo! Se Jesus é verdade, como fica a verdade dos brasileiros não-cristãos? E, aliás, o que é que um postulante à presidência tem que meter o bedelho nisso? Ele não está disputando a eleição para Papa.
— É, mas isso também todo mundo sabe.
— Ah, mas não mesmo! Se todo mundo sabe, como é que os gênios do marketing, esses que estão aí ganhando por uns meses de trabalho mais do que eu e você vamos ganhar juntas a vida inteira, ignoram? — Mas a Dilma também anda com mania de falar em Deus e em ir à igreja por qualquer dá cá aquela palha...
— Estranho menos, porque a Dilma eu não sei quem é. Eu sei quem são os marqueteiros da Dilma, sei como eles pensam e sei como eles mandam ela se comportar, se vestir e se maquiar, mas, sinceramente, não faço a menor ideia de quem seja a Dilma. Tenho minhas dúvidas, aliás, se ela mesma ainda sabe quem é. Ou quem foi.
— Pois eu, se escrevesse em jornal, falava da eleição numa crônica sim e na outra também.
— Já não te basta o jornal inteiro batendo nessa tecla? Você não acha que faz parte do processo democrático ter, num mesmo veículo, assunto para todos, mesmo aqueles que não querem saber das eleições? No outro dia mesmo o Joaquim fez uma crônica linda falando sobre o início da primavera. Estava coberto de razão, as campanhas passam e as primaveras ficam.
— Pois é, agora você disse: as campanhas passam. É isso que eu estava querendo dizer antes, as eleições passam e se você não falar logo sobre isso não vai poder mais falar, porque elas terão passado...
— Sim, mas felizmente o assunto não é obrigatório. Eu já acreditei em eleição, já curti tanto campanha política que até andava com adesivo no carro.
— Você nem tem carro.
— Já tive. Há muitas luas, mas tive.
— Mudou você ou mudaram as eleições? — As duas coisas, provavelmente; mas acho que as eleições mudaram mais. Antes quase todo carro andava com adesivo, as pessoas punham faixa na janela, sacudiam bandeira, usavam camiseta. E não eram esses pobres diabos que ganham uns trocados para ficar parados na esquina. As pessoas acreditavam, de fato, que o resultado das eleições podia mudar alguma coisa.
— Mas é claro que pode, como não? — Estou cada vez mais convencida de que, em Brasília, todos se tornam iguais. E, ultimamente, quando alguma coisa muda de verdade, em geral é para pior. O Congresso sempre foi isso que a gente sabe, mas nunca teve um Tiririca antes. O meu problema com o Tiririca, aliás, não é que ele seja um palhaço. Acho que há palhaços melhores e mais dignos de confiança do que muitos parlamentares. O meu problema com o Tiririca não é a profissão, mas a indigência mental da criatura. E de seus eleitores.
— Tá, mas essa fase das eleições já passou.
Agora é só presidência, outro nível.
— Outro nível? E o confronto em Campo Grande, aquilo foi coisa de alto nível? — Não, aquilo foi baixaria, mas também não foi tão ruim quanto os tucanos disseram, bolinha de papel ou rolo de fita crepe, vai, nada disso é arma letal...
— Viu só? Até você está caindo nessa! O problema não é o que jogaram; é ter acontecido! Cuspe na cara também não fere, e daí? Pode-se cuspir nos outros só por causa disso? É inaceitável que uma turma saia para fazer a sua festa, a sua passeata, e os adversários venham com tumulto e provocação! Isso é inadmissível num país civilizado. E não adianta dizer que não foi nada, porque até o comércio fechou as portas...
Bando de hooligans! Depois vem o Lula mentir em público e falar em militância de paz e amor, e vem o perito falar em “evento bolinha” e “evento rolo de fita”, mas não vi ninguém falar do “evento pedra” que atingiu a repórter da Globo e tirou sangue.
— Tá bom, tá bom, então esquece as eleições.
Domingo elas acabam mesmo.
— Ufa! Taí o ponto positivo dessa campanha.
Blog: cora.blogspot.com. E-mail: cora@oglobo.com.br

Tamba Trio - Moça Flor

Abstenção, nulos e brancos

Abstenção, nulos e brancos
Jairo Nicolau - O ESTADO DE S. PAULO
Nos últimos dias, tenho lido muitas declarações de dirigentes das campanhas preocupados com os eventuais efeitos da abstenção e dos nulos e em branco sobre os resultados do segundo turno. As informações que circulam são desencontradas, e a maior parte delas, não corresponde aos fatos. Para esclarecer ao leitor, segue m algumas informações sobre o tema.
1. A abstenção no primeiro turno foi de 18%. Valor semelhante ao das duas últimas eleições presidenciais: 2002 (18%) e 2006 (17%).
2. A abstenção subiu em todas as disputas do segundo turno nas eleições presidenciais, comparativamente ao primeiro turno: passou de 12% para 14% em 1989; de 18% para 21% em 2002 e de 18% para 20 % em 2006.
3. Nas eleições de 2010 a variação da taxa de abstenção entre as regiões, estados e municípios foi muito menor do que em eleições anteriores. Mas alguns padrões permaneceram: a abstenção é sempre menor na região Sul e maior nas regiões Norte e Nordeste, sobretudo nas cidades menores (ver gráfico).
4. Existem muitas evidências de que uma parte da abstenção deve-se a problemas com o cadastro e não são fruto de ação deliberada dos eleitores para não comparecerem. Nas eleições deste ano, houve um recadastramento dos eleitores de 57 cidades que utilizaram o voto biométrico. A média de abstenção nestas cidades foi de 10%, bem menor do que a do pais (18%).
5. Não há como prever o impacto do feriado sobre o crescimento da abstenção no segundo turno. Nas eleições para prefeitura do Rio de Janeiro em 2008 - que aconteceu no meio de um feriado prolongado - a abstenção passou de 18% para 20%. Curiosamente, o maior crescimento (em pontos porcentuais) da abstenção entre os dois turnos, aconteceu em áreas mais pobres da cidade, e não nas áreas de renda média e alta.
6. Temos o hábito de somar os votos em branco e os nulos. Mas eles têm padrões muito diferenciados no pais. Nas eleições presidenciais deste ano a taxa de votos em branco foi de 3% e a de nulos foi o dobro, (6%).
7. A taxa de votos nulos e em branco caiu em todas as disputas de segundo turno nas eleições presidenciais: de 7% para 6% em 1989, de 10% para 6% em 2002; de 8% para 6% em 2006.
8. Coincidentemente, o total de votos nulos e em branco em todas as disputas presidenciais no segundo turno foi 6%. Em números absolutos, o aumento da abstenção acaba sendo compensado pelo declínio dos votos anulados.
9. Os votos em branco se distribuem de maneira homogênea pelo país (ver gráfico). Não há diferenças relevantes por renda/escolaridade do município, nem localização no território. Os estados com taxas mais altas tiveram apenas 4% de votos em branco.
10. Os votos nulos têm padrões muito diferenciados. A taxa tende a ser mais alta nos municípios mais pobres e com mais analfabetos, sobretudo do Nordeste. Nas cidades menores (até 50 mil habitantes) do Nordeste o total de votos anulados foi de 10% (ver gráfico).
11. As cidades com mais taxa de votos nulos do Nordeste são redutos da Dilma. Mas em termos absolutos as perdas da candidata do PT foi muito pequena. Se as menores cidades nordestinas tivessem o mesmo patamar de votos nulos de todo o pais (6%), e se os votos dos eleitores que anularam tivessem a mesma distribuição da de outros eleitores de suas cidades, Dilma teria recebido 112 mil votos a mais, em relação aos seus adversários.
12. Na ponta do lápis, os efeitos da abstenção e dos votos nulos e em branco sobre o resultado final do segundo turno das eleições de 1989, 2002 e 2006 foi ínfimo. Não há razão para acreditar que este ano será muito diferente.

Sand Dune, Fraser Island, Australia

Photograph by Peter Essick, National Geographic

Um mito de papel

Um mito de papel
Demétrio Magnoli – O Globo e O Estado de S. Paulo - 28/10/10
"Não me importo de ganhar presente atrasado. Eu quero que o Brasil me dê de presente a Dilma presidente do Brasil", conclamou Lula, do alto de um palanque, dias atrás. Não foi um gesto fortuito. Antes, a Executiva do PT definira a campanha "Dê a vitória de Dilma de presente a Lula". Aos 65 anos, a figura que deixa o Planalto cumpre uma antiga profecia do general Golbery do Couto e Silva. O "mago" da ditadura militar enxergara no sindicalista em ascensão o "homem que destruirá a esquerda no Brasil". Quando o PT trata a Presidência da República como uma oferenda pessoal, nada resta de aproveitável no maior partido de esquerda do País.
Lula vive a sua quarta encarnação. Ele foi o expoente do novo movimento sindical aos 30, o líder de um partido de massas aos 40, o presidente salvacionista aos 60. Agora, aos 65, virou mito. O mito, contudo, é feito de papel. Ele vive nos ensaios dos intelectuais que se rebaixam voluntariamente à condição de áulicos e nos artigos de jornalistas seduzidos pelas aparências ou atraídos pelas luzes do poder. Todavia ele só existe na consciência dos brasileiros como fenômeno marginal. Daqui a três dias, Lula pode até mesmo ficar sem seu almejado carrinho de rolimã. A mera existência da hipótese improvável de derrota de Dilma evidencia a natureza fraudulenta da mitificação que está em curso.
"É a economia, estúpido!", escreveu James Carville, o estrategista eleitoral de Bill Clinton, num cartaz pendurado na sede da campanha, em 1992. George H. Bush, o pai, disputava a reeleição cercado pela auréola do triunfo na primeira Guerra do Golfo, mas o país submergia na recessão. Clinton venceu, insistindo na tecla da economia. Por que Dilma não venceu no primeiro turno, se a economia avança em desabalada carreira, num ritmo alucinante propiciado pelo crédito farto e pelos fluxos especulativos de investimentos estrangeiros?
A pergunta deve ser esclarecida. Lula abordou a sua sucessão como uma campanha de reeleição. No Brasil, como na América Latina em geral, o instituto da reeleição tende a converter o Estado numa máquina partidária. A Presidência, os Ministérios, as empresas estatais e as centrais sindicais neopelegas foram mobilizadas para assegurar o triunfo da candidata oficial. Nessas condições, por que a "mulher de Lula", o pseudônimo do mito vivo, não conseguiu reproduzir as performances de Eduardo Campos, em Pernambuco, Jaques Wagner, na Bahia, Sérgio Cabral, no Rio de Janeiro, Antonio Anastasia, em Minas Gerais, ou Geraldo Alckmin, em São Paulo?
"Há três tipos de mentiras - mentiras, mentiras abomináveis e estatísticas", teria dito certa vez Benjamin Disraeli. Os institutos de pesquisa registram uma taxa de aprovação de Lula em torno de 80%. Cerca de dois terços da aprovação recordista se originam de indivíduos que conferem ao presidente a avaliação "bom", não "ótimo". Nesse grupo, uma maioria não votou na "mulher de Lula" no primeiro turno. Mas a produção intelectual do mito, a fim de fabricar uma "mentira abominável", opera exclusivamente com a taxa agregada. Há muito mais que ingenuidade no curioso procedimento.
As águas que confluem para o rio da mitificação de Lula partem de dois tributários principais, além de pequenas nascentes poluídas pelos patrocínios oriundos do Ministério da Verdade Oficial, de Franklin Martins. O primeiro tributário escorre pela vertente dos intelectuais de esquerda, que renunciaram às suas convicções básicas, abdicaram da meta de reformas estruturantes e desistiram de reivindicar a universalização efetiva dos direitos sociais. Eles retrocederam à trincheira de um antiamericanismo primitivo e, ecoando uma melodia tão antiga quanto anacrônica, celebram a imagem de um líder salvacionista que fala ao povo por cima das instituições da democracia. Nesse conjunto, uma corrente mais nostálgica, que se pretende realista, enxerga em Lula a derradeira boia de salvação para a ditadura castrista em Cuba. A Marilena Chaui pós-mensalão, transfigurada em porta-estandarte do "controle social da mídia", é a síntese possível do lulismo dos intelectuais.
"As pessoas ricas foram as que mais ganharam dinheiro no meu governo", urrou Lula num comício eleitoral em Belo Horizonte, pronunciando um diagnóstico inquestionável. O segundo tributário da mitificação desce da vertente de uma elite empresarial avessa à concorrência, que prospera no ecossistema de negócios configurado pelo BNDES e pelos fundos de pensão. Essa corrente identifica no lulismo o impulso de restauração de um modelo econômico fundado na aliança entre o Estado e o grande capital. Os empresários da Abimaq divulgaram um manifesto em defesa do BNDES, enquanto Eike Batista, um sócio do banco estatal, o cobria de elogios. Na noite do primeiro turno, os analistas financeiros quase vestiram luto fechado. Tais figuras, tanto quanto os controladores da Oi e os proprietários da Odebrecht, representam o lulismo da elite econômica.
O mito ficou nu no primeiro turno. Todos os indícios sugerem que o aguardado triunfo de Dilma foi frustrado exatamente por Lula - que, na sequência do escândalo de Erenice Guerra, afrontou a opinião pública ao investir contra a imprensa independente. "Nem sempre é a economia, estúpido!": os valores também contam. Naquele momento as curvas de tendências eleitorais se inverteram, expressando a resistência de mais de metade dos brasileiros ao lulismo. O jornalismo honesto deveria refletir sobre isso, antes de reproduzir as sentenças escritas pelos fabricantes de mitos.
Os mitos fundadores pertencem a um tempo anterior à História. No fundo, desde a difusão da escrita na Grécia do século 8.º a.C., só surgiram mitos de papel - isto é, frutos da obra política dos filósofos. Por definição, tais mitos estão sujeitos à desmitificação. Já é hora de submeter o mito de Lula a essa crítica esclarecedora.
SOCIÓLOGO, É DOUTOR EM GEOGRAFIA HUMANA PELA USP.

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