sábado, abril 30, 2011

Pesquisa ataca suposta inocência de Eva Braun


Pesquisa ataca suposta inocência de Eva Braun
Obra de Heike Görtemaker questiona tese de que amante de Hitler não sabia das atrocidades do Terceiro Reich
ELEONORA DE LUCENA – FOLHA DE SÃO PAULO
Heike Görtemaker
Burguesinha deslumbrada com o poder, infantilizada, engajada, meiga, geniosa, mimada, despolitizada, arrivista, companheira. As muitas qualificações, algumas contraditórias entre si, fazem parte do mosaico composto pela historiadora Heike Görtemaker no seu "Eva Braun - A Vida com Hitler".
A mulher, que se suicidou com Hitler quando as tropas soviéticas tomavam Berlim no final da Segunda Guerra Mundial, é personagem controvertida e obscura.
As fontes são escassas, muitos documentos foram destruídos, e os depoimentos precisam sempre passar por filtros do tempo e de interesses vários. O resultado é muitas vezes gelatinoso, mas não deixa de ser interessante.
Professora de história da Universidade Livre de Berlim, Görtemaker vai vasculhando e escreve como se montasse um quebra-cabeça. Muitas peças parecem perdidas para sempre e deixam buracos em branco.
Mesmo assim, ela não desiste de tentar desvendar a pessoa que, nas palavras da autora, "assegurou para si um lugar na história, ainda que duvidoso".
Eva Braun conheceu Hitler provavelmente em outubro de 1929 no ateliê de Heinrich Hoffmann, que viraria o fotógrafo oficial do nazismo. Ela trabalhava lá e tinha 17 anos.
Foi chamada pelo chefe para trazer cerveja e bolo de carne. Hitler era 23 anos mais velho.
Quase ao mesmo tempo, em Nova York, o crash da Bolsa escancarava a crise braba do capitalismo, que desaguaria na guerra.
A abrupta recessão que começou naquele ano mergulhou a Alemanha no desemprego e na penúria, colocou em xeque a democracia e abriu o caminho para Hitler.
Ao narrar a trajetória do novo casal, Görtemaker não perde de vista esse pano de fundo. Volta à história da revolução alemã de 1918, trata das chagas deixadas pelo Tratado de Versalhes e alinhava as razões da radicalização na Alemanha.
Talvez pudesse ter acrescido mais informações básicas sobre a competição entre as potências, a corrida econômica e armamentista que se travava pela hegemonia mundial.
VIDA DA CORTE
Mas a leitura prende, é agradável. Mescla as disputas políticas, diplomáticas e bélicas com a vida da corte nazista. A ascensão da loira de Munique no círculo do Führer serve de fio condutor para a narrativa dos bastidores do nazismo: o cotidiano dos áulicos e suas famílias, as disputas intestinas, as traições, as festas, as viagens e os negócios que enriqueceram aquelas pessoas.
Não há muitas informações sobre os grandes interesses empresariais ligados à escalada hitlerista. Görtemaker, nascida em 1964 e doutora em germanística pela Universidade de Indiana (EUA), se esforça em expor as contradições da vida pessoal de Hitler em relação aos princípios da propaganda nazista.
Contrastando com o marketing oficial, ele não era casado, não tinha filhos e detestava esportes. Ao mesmo tempo em que camuflava sua vida pessoal dos olhares públicos, "usava o solteirismo como instrumento político", aponta a autora.
MULHER NO REICH
Nesse quadro conflituoso, ela também insere a questão feminina. Enquanto o Terceiro Reich alardeava o culto à maternidade e inculcava nas mulheres a necessidade de dedicação ao marido, aos filhos e ao lar, as alemãs estavam trabalhando cada vez mais nas fábricas arrastadas para a guerra.
Eva Braun -que só se casaria com Hitler horas antes do duplo suicídio- escapou desse moinho, usufruindo, muitas vezes como uma sombra, as benesses do poder.
O tempo todo Görtemaker tenta destruir a tese de que ela era uma ingênua, que nada sabia das atrocidades do regime. Há conjecturas, indícios, suposições. Se não é totalmente capaz de trazer dados definitivos, o livro é uma narrativa peculiar do que foram aqueles tempos tão dramáticos para o mundo.
EVA BRAUN - A VIDA COM HITLER
AUTOR Heike Görtemaker
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Luiz Antônio de Araújo
QUANTO R$ 51 (408 págs.)
AVALIAÇÃO bom

Fed sem pressa


Fed sem pressa
Editorial - Folha de São Paulo - editoriais@uol.com.br
Banco central dos EUA indica que taxa de juros demorará a subir e que não se preocupa com efeito inflacionário disso nos outros países do mundo
Diante dos percalços da economia de seu país, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), Ben Bernanke, decidiu inovar também na forma de se comunicar com o público.
Além da sucinta declaração que é tradição divulgar após reuniões do comitê de política monetária, inaugurou uma entrevista coletiva para a imprensa, aberta a perguntas. Seguiu, assim, a praxe do Banco Central Europeu.
Bernanke expôs aos jornalistas a visão do Fed sobre as perspectivas da economia e da política monetária, que se aproxima de um momento decisivo: em junho se encerra o programa de US$ 600 bilhões, iniciado em outubro de 2010, para aumentar a liquidez e evitar uma recessão.
A mensagem foi que não há pressa para alterar a estratégia de juros baixos e liquidez folgada. Como justificativa, Bernanke invocou mais uma vez o mandato duplo do Fed, que determina a busca concomitante do máximo de emprego e de estabilidade nos preços (traduzida como inflação ligeiramente inferior a 2% ao ano). O desemprego ainda está alto e a inflação, perto de uma deflação.
A economia americana continua a recuperar-se da crise financeira, mas a taxa de variação do PIB, em torno de 2,5% ao ano desde o inicio de 2010, é insuficiente para reduzir rapidamente o desemprego, ainda próximo de 9%. A produção industrial, após dois anos de recuperação, continua 7% abaixo do nível pré-crise.
Do lado da inflação, apesar das pressões temporárias da alta recente nos preços de petróleo e outras matérias-primas, as projeções do Fed ainda são inferiores a 2% até 2013, portanto tranquilizadoras. Tudo indica que eventuais modificações em sua política monetária serão lentas. A primeira alta de juros talvez só venha no segundo semestre de 2012.
Outra mensagem importante é que, mesmo sendo os EUA os emissores da principal moeda de reserva do mundo, o Fed considera secundárias as consequências globais de suas ações. A desvalorização do dólar, a alta dos preços de commodities e o aumento do fluxo de capitais especulativos para países em desenvolvimento são efeitos colaterais relevantes, que geram pressões inflacionárias no restante do mundo.
Para os americanos, contudo, cabe a esses países, em particular à China, lidar com as pressões por meio de restrição da liquidez de suas economias e valorização das moedas. Para o Brasil, fica claro que a entrada de dinheiro externo deverá continuar e que não haverá trégua na valorização do real.
Por fim, ressalte-se que a prática de realizar entrevistas coletivas deveria ser seguida pelo Banco Central do Brasil. Seria um esforço bem-vindo de transparência e contenção de expectativas inflacionárias alimentadas por sinais contraditórios ou obscuros.

Nani Humor


O bullying do Senado

O bullying do Senado
RUTH DE AQUINO - REVISTA ÉPOCA - raquino@edglobo.com.br
Somos vítimas de bullying político, moral e cívico. E nada fazemos. O país parece anestesiado pela overdose real de William e Kate naquela ilha ao norte do Equador. Ao sul, em nossa república tropicalista, assistimos passivamente a uma das cerimônias mais vergonhosas do Senado. Renan Calheiros acaba de entrar para a Comissão de Ética. Roberto Requião arranca gravador de repórter para apagar sua própria entrevista. Tudo com o beneplácito do padrinho-mor José Sarney.
Tapa na cara, bofetada na nação, cinismo institucional. Assim cientistas políticos e especialistas em ética classificaram as últimas ações do Senado. Roberto Romano, da Unicamp, declarou: “Se o Senado fechar amanhã, ninguém vai sentir falta, salvo os lobistas e os políticos que querem atingir o Tesouro Nacional por meio da troca de favores”. Claudio Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil, foi além: “O Senado não precisa existir, não tem função. Não há nada que ele faça que a Câmara não possa fazer. Pode desaparecer sem prejuízo e seria até mais barato”.
Essas reações podem parecer destemperadas numa democracia que atribui seu equilíbrio à existência de duas Casas: a Câmara e o Senado. Mas respeito e credibilidade não são automáticos. Oito senadores indicados para a Comissão de Ética respondem a inquéritos ou processos no Supremo Tribunal Federal. A missão desse grupo “seleto” é vigiar e garantir o decoro dos 81 senadores. No novo conselho, muitos são amigos íntimos, alguns conterrâneos, do maranhense Sarney. O próprio Sarney esteve envolvido em 11 processos no ano passado – mas foi entronizado como “homem não comum” pelo ex-presidente Lula.
O presidente da Comissão de Ética, João Alberto, do PMDB, governou o Maranhão em 1990. Nesse ano, uma lei estadual doou um prédio histórico à família Sarney. Quem é João Alberto para ser o guardião do decoro do Senado? Quais são suas credenciais para o país acreditar em seu slogan “Vamos cortar na nossa própria carne”? Nas três vezes em que ocupou o mesmo cargo, João Alberto engavetou todos os processos abertos na Comissão de Ética. No Brasil de hoje, “formação de quadrilha” deixou de ser acusação.
Mais escandaloso é o resgate do líder do PMDB, o alagoano Renan Calheiros. O conselho aprovou em 2007 sua cassação, rejeitada pelo plenário. Calheiros enfrentou denúncias de quebra de decoro, corrupção, desvio de dinheiro público, sonegação de bens, uso de laranjas. Renunciou à presidência do Senado e foi absolvido pelos pares.
Oito senadores indicados para a Comissão de Ética estão enrolados na Justiça. É um tapa na cara da nação
A denúncia mais ruidosa contra Calheiros foi a de usar o lobista de uma construtora para pagar uma pensão mensal a Mônica Veloso, com quem teve uma filha fora do casamento. Ele alegou que alimentava a menina com a venda de bois nas suas fazendas. As notas fiscais estavam irregulares.
Mônica teve seus 15 minutos de fama, posou nua e hoje apresenta um programa de carros, Vrum, na televisão mineira.
Ela deixou imortalizada em seu livro uma descrição humana do amante. Segundo Mônica, Renan fingia que ia se separar. “No início do namoro, ele estava meio gordinho, mas fez dieta.” O casalzinho ia a festas, e Mônica era tratada “com deferência” no Senado. Para Renan, ela era “uma rosa única entre milhões de rosas”. O então presidente do Senado cantarolava “Eu sei que vou te amar” de noite ao telefone, e queria pular Carnaval de rua com ela na Bahia. Mônica chamava Renan de “docinho”, “de tão meigo que ele era”, mas ele entrou em pânico quando ela disse estar grávida.
Tudo o que Calheiros possa ter de “docinho”, seu colega de Senado Roberto Requião tem de truculento. Arrancou na segunda-feira um gravador das mãos de um repórter. Irritou-se com uma pergunta procedente: ele abriria mão da aposentadoria de R$ 24.117 que recebe como ex-governador do Paraná? Requião só devolveu o gravador após apagar a entrevista. Sarney o defendeu: “Requião é um cavalheiro”. Na tribuna, o senador disse ser vítima do “bullying de uma imprensa às vezes provocadora e muitas vezes irresponsável”.
Bullying é o que os senhores, senadores, resolveram praticar contra quem paga seus subsídios.

Pé descalço


Pé descalço
MANOEL CARLOS - REVISTA VEJA -RIO
Quem não se lembra desta frase:
— Fala baixo, que tem gente de pé descalço.
O “pé descalço” era sempre uma criança, menino ou menina, que, em matéria de curiosidade infantil, todas são iguais. Ouvi muito essa recomendação trocada entre os adultos, e fingia estar dormindo. Gostava de me deitar no chão, enquanto os mais velhos conversavam. O cenário era sempre a sala de visitas, onde ficava o piano, peça nobre, tal como a cristaleira era a rainha da sala de jantar. Ter esses dois espaços em casa, ensinar música às crianças e servir licor após o jantar estavam entre as diversas condições que separavam a classe média alta da baixa, mais tarde diferenciadas pelas letras A e B. Hoje, segundo os boletins que medem a audiência da televisão, essa diferença se estende de A a E!
Bem, todo esse preâmbulo para contar aos meus possíveis leitores uma história tragicômica que ouvi na tal sala de visitas da minha casa, onde vivíamos — eu, duas irmãs e um irmão mais novo, ao lado dos nossos pais e da vó Leonor, a santa gorda da minha infância.
A história girava em torno de um casal de vizinhos, seu Oscar e dona Iracema, exemplos de harmonia conjugal, cantada e decantada em todo o bairro. Vai que um dia ele ficou muito doente e foi para o hospital. Lá os médicos, sem meias palavras, afirmaram que o pobre homem, com menos de 50 anos, tinha poucos dias de vida. Dona Iracema chorou muito e o filho único — criança como eu — quedou-se apalermado diante da notícia. Vendo-se às vésperas da morte, seu Oscar pediu à esposa que, assim que ele morresse, abrisse uma determinada gaveta em sua escrivaninha doméstica, que lá encontraria uma carta a ela dirigida. Dito isso, deu à dona Iracema uma chave da qual nunca antes se separara.
Acontece que o Destino não concordou com os médicos: para espanto de todos, seu Oscar recuperou-se e voltou para casa, não posso dizer que saltitante, mas razoavelmente bem de saúde. Pouco tempo depois, o Destino fez uma nova surpresa: dona Iracema, até então uma quarentona enxuta e cobiçada, teve um mal súbito e... morreu. O espanto não podia ter sido maior. Todos sofreram muito diante do inesperado e seu Oscar mais do que todos, já que carregava a culpa de ter sido infiel à esposa, praticamente desde a lua de mel.
Tal foi o remorso que seu Oscar chegou a lamentar não ter morrido antes, pois assim a esposa teria encontrado na tal gaveta fechada uma confissão completa de suas aventuras extraconjugais, acompanhada de um pedido de perdão de comover as pedras da calçada.
Esse sofrimento seu Oscar viveu durante dois meses, precisamente até o dia em que resolveu mudar-se para uma casa menor, em busca de uma vida mais simples, mais adequada à sua nova condição de viúvo solitário e amargurado. Foi quando o Destino entrou em cena pela terceira vez: ao cuidar da mudança, seu Oscar encontrou no pequeno altar mantido no quarto de casal, onde dona Iracema costumava ajoelhar-se e recitar suas orações diurnas e noturnas, escondida bem atrás da imagem de São Judas, uma carta a ele endereçada. Abriu o envelope lacrado com mãos trêmulas de emoção, e qual não foi sua surpresa ao encontrar, com aquela letrinha miúda, juvenil e encantadora da esposa, a confissão de que ela, também ela, fora infiel no casamento, mantendo um longo romance com o “turco” Ramiro, dono da papelaria. De início, diante daquela revelação, seu Oscar ficou pálido de espanto e... por que não dizer, de indignação. Depois... pensou bem e sentiu um grande alívio por livrar-se daquela culpa que o afligia, a culpa de ter sido infiel. Afinal, se ela lhe dera o troco, estavam quites. E, finalmente, para coroar sua liberdade com mais alegria, lembrou-se de que o “turco” Ramiro havia morrido fazia dois anos. Tudo, portanto, lhe abria a oportunidade de viver o que lhe restava de vida, sem o remorso a lhe roer o coração. Tomou um banho, barbeou-se, vestiu-se com esmero e foi à procura de Renatinha, também quarentona e cobiçada, e por quem sempre se interessara antes que tudo isso acontecesse. Se o romance vingou ou não, nunca se soube, já que seu Oscar, depois de trancafiar o filho único num internato, mudou-se e não deixou endereço nem telefone.
Independentemente do desfecho, essa é uma história que conto a vocês, tal como guardou minha memória, depois de ouvi-la meia dúzia de vezes nas conversas da sala de visitas, como um pé descalço que fingia estar dormindo.

Skoob

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